quinta-feira, 29 de abril de 2010

Procon recebe denúncia contra McDonald's e Habib's - Instituto Alana

28/04/2010

A cena se repete. Músicas alegres, cenários coloridos e muitos brinquedos. Nas publicidades do McDonald’s e do Habib’s para promover seus respectivos combos infantis, as estrelas são os brindes. Em 30 segundos de comercial, os filmes mal focam nos alimentos contemplados na promoção – o apelo é quase que totalmente direcionado para convencer crianças a colecionar os “agarradinhos” do McDonald’s e os “bichinhos” da rede Habib’s.

Em janeiro, ambas as redes foram notificadas pelo Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, que considera as peças abusivas por serem dirigidas ao público infantil. As duas empresas responderam em fevereiro, mas não deixaram de veicular a campanha nas emissoras de TV.Por isso, em abril o caso foi denunciado ao Procon de São Paulo.

Segundo comunicado oficial do McDonald’s, a publicidade estimula o consumo de alimentos saudáveis, pois mostra combos compostos por produtos como sucos, cenouras em formato aperitivo e nuggets de frango no lugar do tradicional trio refrigerante, batata frita e hambúrguer. O mesmo argumentou o Habib’s, que ainda afirmou que todos os produtos são assados, evitando o consumo de frituras.

“O problema é que a publicidade continua se dirigindo à criança, que não tem discernimento para determinar o que consumir e de que forma consumir. Também observamos que o foco das publicidades não era o produto em si, mas o que os pequenos poderiam ganhar se comprassem aquele produto. A abusividade está, sobretudo, na forma como essas companhias tentam atrair o público infantil, contribuindo para a formação de hábitos muito pouco saudáveis, sempre baseados na cultura do excesso”, explica Isabella Henriques, advogada e coordenadora geral do Criança e Consumo.

Fidelização

No caso do McDonald’s, o Projeto Criança e Consumo também questionou a campanha da promoção “Traga um amigo!”, que dizia: “É assim: Na compra do seu McLanche Feliz, o do seu amigo sai pela metade do preço. Afinal, amigos foram feitos para ficar juntos!” O comercial foi veiculado durante o Festival Internacional de Cinema Infantil em São Paulo e em emissoras de TV até dezembro de 2009.

A representação encaminhada ao Procon ainda adverte para o uso dos sites institucionais das empresas como forma de publicidade. Na ocasião do lançamento do filme Avatar, concorrente ao Oscar de 2010, por exemplo, todos os brindes do combo McLanche Feliz eram personagens do filme.

“A estratégia de marketing dessas empresas é sempre vincular produtos da indústria cultural com grande penetração nesse público como forma de chamar a atenção das crianças. Elas acabam pedindo para consumir nessas redes para ter os brindes dos filmes, desenhos e personagens com os quais se identificam”, diz Isabella.
Regulamentação

Pesquisas indicam que, antes dos oito anos, a maioria das crianças não consegue entender a diferença entre publicidade e programação de TV. Até aproximadamente os 12 anos, elas também não compreendem inteiramente o poder de persuasão da comunicação mercadológica. Ainda assim, mais de 50% das campanhas do setor alimentício veiculadas na TV são voltadas para esse público.

No ano passado, 22 empresas da indústria brasileira de alimentos assumiram um compromisso público para restringir as estratégias de marketing infantil. O Habib’s não é signatário desse documento. Já o McDonald’s está entre os signatários, além de ter divulgado mundialmente um código de ética com relação à publicidade em 2007.

A coordenadora geral do Criança e Consumo reforça que a iniciativa das empresas assumirem compromissos públicos é louvável e muito importante, mas que é necessário verificar se essas ações representam a mudança necessária – a de não dirigir comunicação mercadológica para o público menor de 12 anos de idade. Segundo a legislação em vigor no Brasil, com base em artigos da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a publicidade direcionada a crianças é abusiva, portanto ilegal.

Acompanhe o caso no site do Projeto Criança e Consumo
http://www.alana.org.br/CriancaConsumo/AcaoJuridica.aspx?v=1&id=149

Leia o compromisso firmado em 2009 por 22 empresas do setor de alimentos
http://www.alana.org.br/banco_arquivos/File/mats/abia_aba_industrias_firmam_compromisso.pdf

Conheça o compromisso de publicidade responsável do McDonald’s
http://www.mcdonalds.com.br/#/NPC:Compromisso

Nasce um novo movimento climático na Bolívia - Naomi Klein

http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=7&id_noticia=128279


Cochabamba, Bolívia. Eram 11 da manhã e Evo Morales tinha transformado o estádio de futebol numa gigantesca sala de aula, e disposto organizadamente uma variedade de objetos de utilidade cotidiana: pratos de papelão, copos de plástico, capas de chuva descartáveis, xícaras feitas a mão, pratos de madeira e ponchos coloridos. Todos esses objetos demonstrariam um ponto central: para lutar contra a mudança climática necessitamos recuperar os valores dos indígenas.

Por Naomi Klein, em sin Permiso
Cochabamba, Bolívia. Eram 11 da manhã e Evo Morales tinha transformado o estádio de futebol numa gigantesca sala de aula, e tinha disposto organizadamente uma variedade de objetos de utilidade cotidiana: pratos de papelão, copos de plástico, capas de chuva descartáveis, xícaras feitas a mão, pratos de madeira e ponchos coloridos. Todos esses objetos desempenharam um papel para demonstrar um ponto central: para lutar contra a mudança climática necessitamos recuperar os valores dos indígenas.

No entanto, os países ricos têm pouco interesse em aprender essas lições e, ao contrário, promovem um plano que, no melhor dos casos, aumentaria a temperatura global em média dois graus centígrados. Isso implicaria o derretimento das geleiras dos Andes e do Himalaia, disse Morales a milhares de pessoas reunidas no estádio, participantes da Conferência Mundial dos Povos sobre a Mudança Climática e os Direitos da Mãe Terra (http://cmpcc.org/). O que não era preciso dizer é que não importa o quão sustentável decida viver o povo boliviano, porque ele não tem poder para salvar suas geleiras.

A cúpula climática na Bolívia teve seus momentos de alegria, leveza e absurdos. No fundo, porém, sente-se a emoção que esse encontro provocou: a raiva diante da impotência.

Não há com que se surpreender. A Bolívia está em meio a uma dramática transformação política, que nacionalizou indústrias chave e elevou como nunca as vozes indígenas. No que concerne à sua crise existencial mais urgente, porém – o fato de que suas geleiras estão derretendo numa velocidade alarmante, que ameaça o fornecimento de água em duas de suas principais cidades -, os bolivianos não podem mudar seu destino por si mesmos.

Isso porque as ações que provocam o derretimento das geleiras não ocorrem na Bolívia, mas nas rodovias e zonas industriais dos países fortemente industrializados. Em Copenhague, os dirigentes das nações em perigo, como Bolívia e Tuvalu, argumentaram apaixonadamente em favor de um padrão na redução da emissão de gases que poderiam evitar uma catástrofe.

Disseram-lhes amavelmente que a vontade política no Norte simplesmente não existia. E mais: os Estados Unidos deixou claro que não necessitava de que países pequenos como a Bolívia, fizessem parte de uma solução climática; negociaria um acordo a portas fechadas com outros emissores pesados de gases e o resto do mundo seria informado dos resultados e convidado a assinar, o que é precisamente o que se passou em Copenhague.

Quando a Bolívia e o Equador se recusaram a aprová-lo, automaticamente o governo estadunidense cortou suja ajuda em 3 milhões e 2,5 milhões de dólares, respectivamente. Não é um processo gratuito, explicou Jonathan Pershing, negociador para assuntos climáticos estadunidense. (Aqui está a resposta para quem quer que se pergunte por que os ativistas do Sul rechaçam a idéia do apoio climático e, em troca, exigem o pagamento de dívidas climáticas). A mensagem de Pershing era de arrepiar: se és pobre, não tens direito a priorizar tua própria sobrevivência.

Quando Morales convidou os movimentos sociais e os defensores da mãe terra, cientistas, acadêmicos, advogados e governos a virem a Cochabamba para um novo tipo de cúpula climática, ocorreu uma revolta contra essa sensação de impotência; foi uma tentativa de construir uma base de poder em torno do direito de sobrevivência.

O governo boliviano tomou a frente nas discussões, propondo quatro grandes idéias: que se deveria outorgar direitos à natureza que a protejam da aniquilação dos ecossistemas (uma declaração universal dos direitos da mãe terra); que aqueles que violem esses e outros acordos ambientais internacionais deveriam responder legalmente (um tribunal de justiça climática seria instituído); que os países pobres deveriam receber vários tipos de compensação por uma crise que enfrentam mas que pouco contribuíram para instalação (dívida climática); e que deveria haver um mecanismo para que as pessoas ao redor do mundo expressassem seus pontos de vista sobre esses temas (um referendum mundial dos povos sobre a mudança climática).

A etapa seguinte consistiu em convidar a sociedade civil global a seguir discutindo os detalhes. Instalaram-se 17 grupos de trabalho e depois de semanas de discussão online reuniram-se em Cochabamba, com o objetivo de apresentar suas recomendações finais ao término da cúpula.

O processo é fascinante mas longe de ser perfeito (por exemplo, como assinalou Jim Shultz, do Democracy Center, parece que o grupo de trabalho sobre o referendum investiu mais tempo discutindo se acrescentaria uma pergunta a respeito da abolição do capitalismo do que discutindo como se faz para levar a cabo uma consulta global). No entanto, o compromisso entusiasta da Bolívia com a democracia participativa poderia ser tomado como a contribuição mais importante da cúpula.

Isso porque, depois da débâcle de Copenhague, um tema de discussão tremendamente perigoso se tornou virótico: o verdadeiro culpado do fracasso era a própria democracia. O processo da Organização das Nações Unidas (ONU), que dá o mesmo peso a votos de 192 países, simplesmente era difícil demais de manejar. Era melhor encontrar soluções em grupos pequenos.

Até vozes ambientais de confiança, como James Lovelock, caíram na armadilha. Tenho a sensação de que a mudança climática pode ser um tema tão severo como a guerra, disse Lovelock ao The Guardian, recentemente. Quiçá seja necessário pôr a democracia em pausa durante um tempo.

Mas na realidade são esses pequenos grupos, como o clube privado que forçou o Acordo de Copenhague, os que propiciaram a perda de terreno e a debilidade dos acordos existentes, que por si sós são inadequados. Em troca, a política de mudança climática levada a Copenhague pela Bolívia foi escrita pelos movimentos sociais por meio de um processo participativo e o resultado final foi, até o momento, a visão mais transformadora e radical.

Com a cúpula de Cochabamba, a Bolívia tenta globalizar o que conseguiu em escala nacional e convidar o mundo a participar da redação de uma agenda climática conjunta, antes do próximo encontro sobre mudança climática da ONU, em Cancún. Nas palavras do embaixador da Bolívia nas Nações Unidas, Pablo Solón, a única coisa que pode salvar a humanidade de uma tragédia é o exercício da democracia global.

Se isso é correto, o processo boliviano poderia não só salvar ao nosso planeta, que está com temperaturas em alta, mas também as nossas democracias em vias de fracasso. Não é um mal acordo, absolutamente.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

ovimentos sociais: Perspectivas e desafios

Portal Ecodebate

Sumário:

Movimento social. Perspectivas e desafios
- Ideário em crise. A emergência do paradigma cultural
- Comunitarismo. Um conceito insuficiente ou ainda determinante?
- Relação com o governo Lula. Rompimento da autonomia?
- Perspectivas políticas do movimento social pós-2010
- Os novos movimentos sociais e novas urgências

Eis a análise.

Movimento social. Perspectivas e desafios

O “imaginário de transformação social” que embalou os principais movimentos sociais e as principais lutas nos anos 1980 se perdeu. A convicção de que a realidade pode ser transformada, originário do “comunitarismo” de décadas passadas, perdeu a sua força e o encantamento com a política já não existe mais. Os movimentos sociais vivem uma profunda crise e estão longe de exercerem o protagonismo dos anos 1980 e 1990. Para agravar a situação, a autonomia, conceito caro aos movimentos sociais, encontra-se numa encruzilhada.

Porém, mesmo assim e apesar de sua fragilidade, os movimentos sociais continuam sendo uma referência importante na consciência crítica dos modelos em curso na sociedade e, ao mesmo tempo, estão na dianteira do processo civilizatório, ou seja, são eles que chamam a atenção para os novos temas a serem enfrentados, como a crise ecológica.

As questões acima, entre outras, são destacadas na revista IHU On-Line, dessa semana que tem como tema de capa os movimentos sociais. Foram entrevistados para analisar os movimentos sociais, suas perspectivas e desafios, os seguintes pesquisadores: Rudá Ricci, Maria da Glória Gohn, Silvio Caccia Bava, Ivo Poletto, Ivo Lesbaupin e Marcus Abílio Gomes Pereira.

Ideário em crise. A emergência do paradigma cultural

Uma das principais razões que auxiliam na compreensão da crise dos movimentos sociais está associada ao que o sociólogo e pesquisador do Instituto Pólis, Silvio Caccia Bava denomina de perda do imaginário de transformação social. Segundo ele, “hoje em dia, o nosso imaginário parece ser mais o do consumismo (…) ninguém está falando em transformação da sociedade e, com isso, não se discutem mais projetos de mudanças”. Nesse contexto, assegura, “os movimentos sociais estão fragmentados e também encontram dificuldade de defender propostas de transformação social”.

A pesquisadora e estudiosa dos movimentos sociais, Maria da Glória Gohn tem uma idéia semelhante ao afirmar que os movimentos das décadas anteriores “lutavam para ter ‘direito a ter direitos’ (…), eles não eram voltados apenas para si próprios, olhavam para o outro” e, hoje, segundo ela “o que tem diminuído são movimentos sociais compostos por militantes motivados por causas e projetos coletivos de vida, e não apenas por interesses individuais”.

Na mesma perspectiva, o sociólogo Rudá Ricci comenta que “o ideário dos anos 80 se esgotou e, a partir dos anos 90, lideranças sociais do país ingressaram na lógica da burocracia estatal e perderam a energia e força moral para impor uma nova lógica política. Abdicaram da ousadia”, diz ele.

Na opinião de Ricci, as dificuldades do movimento social estão diretamente ligadas ao desafio de “dialogar com uma população consumista, individualista (mais de 80% deles afirmam, segundo pesquisas recentes, que só confiam na sua família e desconsideram ações comunitárias) e quase fundamentalista no que tange à religião. Alimenta uma religiosidade privatista, voltada para o ganho pessoal e de sua família, para o conforto e não para a solidariedade”.

A percepção dos entrevistados sobre uma das razões da crise do movimento social inscreve-se naquilo que o sociólogo Alain Touraine chama de “paradigma cultural”. Segundo ele, “durante um longo período, nós descrevemos e analisamos a realidade social em termos políticos: a desordem e a ordem, a paz e a guerra, o poder e o Estado, o rei e a nação, a República, o povo e a revolução. Depois a revolução industrial e o capitalismo se liberaram do poder político e aparecem como a ‘base’ da organização social. Foi então que substituímos o paradigma político por um paradigma econômico e social: classes sociais e riqueza, burguesia e proletariado, sindicatos e greves, estratificação e mobilidade social, desigualdades e redistribuição tornaram-se nossas categorias usuais de análise”.

Hoje, diz Touraine, dois séculos depois, temos de “ser capaz de nomear os novos atores e os novos conflitos, as representações do eu e das coletividades que descobrem um novo olhar que faz aparecer aos nossos olhos uma nova paisagem”. Passamos assim do paradigma político para o paradigma econômico e social e agora adentramos no paradigma cultural. O sociólogo francês detecta em suas análises uma mudança de paradigma. Diz ele: “Falava-se de trabalho, de capital, agora se fala de ecologia, de mulheres, de gênero, de sexo, de minorais. Todos estes temas têm algo em comum: são culturais. A explicação mais simples é que passamos de uma sociedade industrial, na qual a sociedade de massas existia somente no nível da produção, a uma sociedade na qual há massificação no consumo, na comunicação, em todas as partes” (n.1).

Segundo ele, portanto, as categorias “sociais”, com as quais se analisava a realidade, perdem centralidade para as categorias de ordem cultural. É a essa passagem, que Touraine vai chamar de “fim do social”, que ele mesmo qualifica de “fascinante e inquietante”. Esse movimento representa a passagem do paradigma econômico e social ao paradigma cultural. Ou seja, doravante, mesmo os fatos econômicos e sociais serão analisados com categorias culturais. A realidade será vista em chave cultural, e não mais exclusivamente em chave econômica e social.

A análise de Touraine é sugestiva na medida em que destaca que é a categoria cultural, sobretudo que auxilia na compreensão das mudanças que perpassam a sociedade mundial. Nesse contexto, as utopias que animaram as lutas sociais dos anos 80, tinham na categoria política a base de sua força e hoje, essa categoria já não é explicativa e tampouco motivadora para a ação social. As motivações para o agir, ou para o deixar de agir, parece que se encontram cada vez mais na categoria de ordem cultural.

Encontramo-nos numa sociedade na qual a subjetividade parece substituir o sujeito, ou seja, são as motivações de ordem individual que animam a pertença à sociedade e não mais as motivações de ordem coletiva. Por aqui se têm uma chave de leitura que talvez possa contribuir na interpretação da crise do movimento social. Os entrevistados pela revista IHU não aprofundam esse tema, mas sugerem como uma das causas explicativas para o descenso das lutas sociais. Por outro lado, destaque-se que é na categoria cultural que encontraremos a emergência de novos movimentos sociais.

Comunitarismo. Um conceito insuficiente ou ainda determinante?

Outro elemento que ajuda na compreensão do caráter da crise do movimento social, segundo os entrevistados pela IHU On-Line, poderia ser encontrado no conceito de “comunitarismo” muito forte e presente na base da ação política e social dos anos 1980, principalmente entre os cristãos que assumiram fortemente a militância. Entretanto, essa constatação não é unânime.

O “comunitarismo” se fez por meio das CEBs, dos círculos bíblicos, das pastorais sociais. Permeia o comunitarismo, também alimentada pela Teologia da Libertação, a idéia algo messiânica de que o “Reino de Deus” – a terra sem males – é inexorável. A iniciação de milhares de cristãos no mundo da política se fez por meio do comunitarismo. Havia uma crença que os valores orientadores da “vida em comunidade”, na pastoral, seriam transferidos, ganhariam o conjunto da sociedade e arrebatariam o poder inaugurando uma nova sociedade.

Rudá Ricci alerta que “a própria concepção de comunidade, nem sempre combina com o de sociedade”. Segundo ele, “na sociologia, comunidade é compreendida como uma relação entre iguais, que se solidarizam a partir do afeto, dos valores mútuos. Forma-se um espírito de corpo nem sempre baseado na razão, na noção consciente do papel individual na construção do coletivo, mas na prática de autodefesa do grupo”. O conceito de sociedade, ao contrário, diz ele, “não é uma soma de comunidades, mas a construção de racionalidade e regras que definem a convivência entre diferentes. Na lógica societária, cada indivíduo precisa saber qual o seu papel para que o todo funcione, mesmo desconhecendo o que é, efetivamente, o outro, que mora em outro bairro distante do seu, que nem sabe que existe. Os laços afetivos criam forte coesão, mas também podem criar forte sentimento de exclusão ou exclusivismo”.

De acordo com o sociólogo, “o comunitarismo cristão, base da Teologia da Libertação, não conseguiu construir uma lógica política tolerante e voltada para sociedades complexas. Os movimentos sociais que nasceram desta vertente acabaram por se fechar em suas pautas específicas e construíram fortes estruturas organizacionais voltadas para si e não para a sociedade como um todo. Na prática, defendem interesses grupais, e não direitos universais. Muitas vezes, este erro ganha uma roupagem discursiva fundada no conceito de luta de classes”, diz.

O sociólogo Ivo Lesbaupin tem outra opinião: “Não creio que se possa dizer que a origem da CPT ou do trabalho pastoral da Igreja nos anos 60 era um ideário comunitário. Houve, sem dúvida, um grande esforço por parte dos setores progressistas da Igreja católica, na direção da formação de inúmeras comunidades de base por todo o país. Mas as comunidades não são um movimento social, elas são uma forma de organização da Igreja, que continua até hoje (mesmo que reconheçamos que os tempos mudaram, que o apoio da instituição era maior). As comunidades deram nascimento ou apoiaram fortemente inúmeros movimentos sociais, tanto na cidade como no campo. Toda a luta das oposições sindicais contra o peleguismo teve muito apoio das comunidades. Até hoje, em parte significativa das comunidades, seus membros participam de movimentos. Mas o objetivo desta luta não é uma sociedade constituída de comunidades: é uma sociedade justa, democrática, participativa, solidária (o ‘outro mundo possível’)”, diz ele.

Na opinião de Silvio Caccia Bava, o comunitarismo foi importante por algo que se perdeu: o imaginário da transformação social. Segundo ele, “o que mais perdemos, de uma maneira significativa, é esse imaginário da transformação social. Quer dizer, mesmo na época da ditadura, a Teologia da Libertação pregava um outro mundo melhor, ainda que nem explicasse como. E esse imaginário mobilizava as energias de muitos milhares de pessoas”, diz ele.

O educador popular Ivo Poletto defende a atualidade dos ideais do comunitarismo e dá como exemplo o desafio das mudanças climáticas. De acordo com ele, será a retomada da vida comunitária, a ser organizada em cada território que poderá indicar alternativas para esse problema: “Não será a comunidade de outros tempos, é claro, mesmo se contará com a riqueza das experiências dos povos indígenas e outras comunidades tradicionais, que preservaram por milênios e séculos valores assentados na vida comunitária. A consciência que levará a revalorizar a comunidade de vida será nova. Ela deverá estar assentada sobre a necessidade de recriar as relações com a Terra, assumindo que os humanos são parte dela e que só podem Bem Viver se ela estiver viva e for fonte permanente de vida; e sobre a necessidade de recriar a prática econômica e de intercâmbio de bens e serviços, reduzindo ao máximo o consumo de tudo que provoca aquecimento pela contaminação da atmosfera. Em outras palavras, a busca da comunidade será a via para superar a civilização do consumismo, criando novas formas de sermos humanos”, destaca.

Não foi abordado suficientemente nas entrevistas os limites do comunitarismo na contribuição de um projeto político para o país. Problematizando o tema, talvez se possa dizer que o comunitarismo, de gênese cristã, foi insuficiente para o amadurecimento político da militância e auxilia na explicação da tensão com o mundo da política. Via de regra, a formação política realizada no “comunitarismo” – Ceb’s e pastorais – nos anos 1980 ofereciam uma iniciação simplista e maniqueísta. De um lado, estavam os opressores, os poderosos, os corruptos e, de outro, estava a base, os oprimidos, os justos, os éticos, os bons. A pergunta que se faz é: Será que a Teologia da Libertação não errou ao fazer análises políticas por demais simplistas, transpondo categorias bíblicas sem nenhuma mediação sociológica? Será que não faltou uma exegese mais apurada, rigorosa dos textos bíblicos, capaz de dar conta da complexidade da sociedade contemporânea?

Ou ainda outra questão: Será que a iniciação política no “comunitarismo” não falhou na medida em que não deu conta da complexidade do mundo da política? Quantos não são os cristãos que se perderam no pesado jogo da política por falta de clareza teórica e compreensão da sua complexidade? Ainda mais, a capitulação de muitos diante da lógica do poder e mesmo da lógica do modelo econômico, não traduz a ausência de um projeto político? Por que tantos – de origem no “comunitarismo”, ao chegarem ao poder, aceitaram passivamente o programa econômico de corte neoliberal ensejado pelo governo Lula desde o início?

Relação com o governo Lula. Rompimento da autonomia?

O tema anterior, dos limites e contribuições do “comunitarismo” tão forte e presente na retomada dos movimentos sociais brasileiros nos anos 1890 remetem para o debate da autonomia do movimento social versus o poder. Esse tema ganha ainda mais intensidade quando cotejado com um governo que se forjou a partir das lutas sociais.

O sociólogo Rudá Ricci é direto. Segundo ele, a relação do movimento social com o governo é de subordinação e forte partidarização. Diz ele: “Houve ganhos no governo Lula, principalmente econômicos. Os salários aumentaram. Houve forte ascensão social. Mas, do ponto de vista político e de estrutura de Estado, houve retrocesso. O governo Lula segmentou os movimentos e organizações sociais em temas. Criou câmaras e arenas de negociação de projetos (como o CDES) sem laços com as bases sociais. Prejudicou sobremaneira a articulação política e a transparência das ações de Estado. Transformou grande parte da agenda de Estado em agenda de governo. Criou forte cooptação política via distribuição de recursos públicos. O lulismo se alimentou desta lógica: construiu a imagem de um pai, sábio, sorridente. Personalizou a política. Algo que os movimentos sociais dos anos 80 tanto lutaram para superar. O grande retrocesso é político”.

O sociólogo e editor do Le Monde Diplomatique Brasil, Silvio Caccia Bava comenta que início de 2003, “houve uma certa euforia por parte dos movimentos no sentido de dizer ‘agora estamos lá’, porque Lula era compreendido como uma representação dos próprios movimentos que chegava ao governo”. Segundo ele, “essa é uma questão muito curiosa. Quando Lula assume o governo, ele chama um conjunto importante de lideranças desses movimentos para dentro do governo. O Ministro do Trabalho acaba sendo o ex-presidente da CUT; lideranças do movimento camponês acabam participando do governo também. Acho que é uma expectativa perfeitamente compreensível. Há uma expectativa por parte dos movimentos de que eles venham a participar do processo de formulação das políticas, dos próprios cargos públicos”.

“Acontece, continua ele, que isso gera uma confusão enorme, não se tem mais uma clara diferença do que é movimento e do que é governo. De repente, lideranças que, na sociedade civil, estavam fazendo pressão sobre o governo, no dia seguinte, elas são as autoridades sobre as quais se faz a pressão. Então, isso criou uma promiscuidade e uma dificuldade de compreensão dos diferentes papéis, o que contribuiu muito para desarticular a capacidade de pressão dos movimentos sociais”.

Por outro lado, destaca Caccia Bava, “o governo Lula também criou muitos espaços de consultas, conferências, conselhos, secretarias especiais sobre a questão racial, da mulher, entre outras. Esses foram espaços onde as lideranças da sociedade civil e os movimentos se fizeram representar; atuam, mas não têm um poder deliberativo. São instâncias consultivas que encaminham suas proposições ao governo, que as assume se esse entender que é conveniente. Então, eu diria que o mundo se tornou mais complexo do que era antes. Essa pode parecer uma frase jogada solta, mas não existe mais só o Estado sobre o qual o movimento social faz pressão, existe um Estado onde o próprio movimento está dentro, se reconhece lá, espera mudanças, aposta nelas, mas elas não estão ocorrendo”, conclui.

Para o sociólogo Ivo Lesbaupin, o tema das Conferência revela-se como uma farsa e afirma que o governo Lula representou um retrocesso na relação com os movimento sociais. Segundo ele, “o governo se apresenta em relação aos movimentos sociais como um governo de diálogo, que recebe suas lideranças como um governo participativo, aberto às conferências. Sem dúvida, há muito mais conferências neste governo do que no anterior, mas da participação à decisão política há uma grande distância, e o governo cede apenas o que quer. Nem com a crise econômica internacional, consequência direta do neoliberalismo dominante, o governo se dispôs a mudar a política econômica: isto não está em discussão. O exemplo mais recente é o PNDH III que, sob pressão dos setores mais conservadores, tem obtido (até agora, pelo menos) o recuo do governo: em função de suas alianças partidárias para manter o poder, ele não vai brigar para manter os avanços mais significativos”.

Ainda sobre o tema das Conferência, Silvio Caccia Bava indica contradições no governo Lula. Segundo ele, com o governo Lula, os movimentos conseguiram uma ocupação progressiva de espaços na sociedade civil e cita como exemplo o Fórum Nacional da Reforma Urbana que reúne movimentos de moradia, ONGs, sindicatos de profissionais como os de saneamento básico, institutos de arquitetos, engenheiros. De acordo com Caccia Bava, “houve um momento em que ele reuniu, inclusive, movimentos de favelas em alguns lugares como no Rio de Janeiro. Esse Fórum teve um papel importante na criação do capítulo de política urbana da nova Constituição Brasileira de 1988; ele também foi fundamental na elaboração do Estatuto da Cidade , ou seja, dessa lei normativa geral que busca transformar as cidades no sentido de inibir a especulação imobiliária, de usar a cidade como mercadoria e fazer prevalecer o valor social dos bens públicos; impulsionou a ideia de que todos os municípios devem ter planos diretores que estejam comprometidos com a redução da desigualdade, com a inclusão social e política dos mais pobres; desenvolveu mecanismos de participação importantes, como o próprio sistema das cidades que tem os conselhos municipais, estaduais, nacional, as conferências – o próprio fundo de habitação de interesse social é uma bandeira desse movimento também”.

Então, se formos observar, diz o sociólogo, “houve grandes conquistas, mas é preciso observar que ocorreram situações onde estas conquistas não foram levadas em consideração. Com o programa Minha Casa, Minha Vida aconteceu algo curioso: todas essas estruturas de participação, de conselhos, instâncias e o próprio Ministério das Cidades não participaram da elaboração desse projeto de um milhão de casas populares. Isso foi feito por outro caminho, sem considerar essas institucionalidades que incluíam a participação cidadã. Quer dizer, existe uma capacidade evidente de pressão e um interesse dessa sociedade organizada em influir nas políticas públicas”.

Retornando à análise da relação do movimento social com o governo Lula, de acordo com Lesbaupin, “o governo procura quebrar a combatividade dos movimentos, dividi-los, desmobilizá-los e mantê-los apenas como massa de apoio quando necessário. Conseguiu, em boa parte, seu intento de colocar como limite máximo de utopia as mudanças dentro dos quadros do neoliberalismo. Muitos, nos movimentos, contentam-se com as pequenas conquistas obtidas. Melhor que qualquer outro líder da direita, Lula conseguiu controlar parte dos movimentos sociais. Não os controla totalmente, é claro, mas reduziu sua força, sobretudo reduziu sua autonomia”, diz.

Porém, Lesbaupin destaca que “existe uma mobilização autônoma, porém, em vários setores, e em vários movimentos: para dar um exemplo, na Assembleia Popular , que é uma articulação de diversos movimentos, pastorais e entidades da sociedade civil. Foi a única articulação que produziu um projeto de sociedade, distinto do vigente, crítico ao modelo neoliberal (“O Brasil que queremos”). Este tipo de articulação pode crescer, porque vem de encontro aos anseios de muitos que estão insatisfeitos”.

A interpretação de Ivo Lesbaupin sobre a Assembleia Popular deve ser problematizada. Se, por um lado é verdade que é nela que ainda subsiste o debate sobre um projeto político para o país, poder-se-ia aqui também acrescentar a Consulta Popular que mantém vivo o debate de projeto de nação; por outro, faz-se necessário destacar a fragilidade da Assembleia Popular que ao invés de crescer está diminuindo de tamanho. A Assembleia Popular “começou” grande num grande encontro em Brasília em 2005 que contou com a participação de oito mil pessoas. No próximo mês, maio, a Assembleia Popular fará a sua segunda Assembleia nacional e não deverá reunir mais do que duas mil pessoas. A explicação pode ser de ordem metodológica, mas é evidente que a organização da Assembleia Popular definha nos estados.

O filósofo e teólogo Ivo Poletto destaca um aparente paradoxo, o de que o principal retrocesso do governo Lula, está relacionado com o avanço: “Sou do parecer que a eleição de Lula foi fruto da decisão livre da cidadania, mobilizada politicamente, em boa medida, pelos movimentos sociais urbanos e rurais, incluindo aqui também a ação das pastorais sociais (…) o principal avanço está no fato de que ninguém mais poderá dizer que uma ou um brasileiro simples não pode ser presidente da República. O principal retrocesso é relacionado com o avanço: está no fato de Lula e seu governo não terem possibilitado todo o amadurecimento da consciência e da prática democrática que se tornaram possíveis com sua eleição. São referidas muitas desculpas, muitas indicações de impossibilidade, muitas justificações para o “realismo” da política do possível. Podem ter elementos de realidade, mas não consigo convencer-me que não foram criadas condições para maiores avanços na prática governamental verdadeiramente democrática”.

A pesquisadora Maria da Glória Gohn, comenta que assiste-se a uma mudança na relação do Estado com os movimento sociais. Segundo ela, “o Estado alterou sua forma de relação com o setor social. De um lado, significa reconhecimento social, especialmente de identidades culturais reivindicadas pelos movimentos; de outro, passou a haver um maior controle social – de cima para baixo, pois as identidades têm sido formatadas em ‘políticas de identidades’, e não em processos de assegurar ‘identidades políticas’ construídas pelos próprios sujeitos participantes”.

Segundo ela isso apresenta implicações importantes, pois, “a mudança na ordem dos termos muda o sentido da ação social. As políticas públicas passaram a ser eixo estruturante das ações coletivas, organizadas sob um leque de temáticas com formas variadas. Ao mesmo tempo em que vários movimentos sociais tiveram mais condições de organização, tanto interna como externa, dado o ambiente político reinante, eles perderam muito sua autonomia e consequentemente, sua força política, por diferentes razões. Alguns se transformaram em ONGs ou estruturas de gestão das políticas públicas. Outros ficaram na resistência, meio que congelados, produzindo esporadicamente eventos de efeitos midiáticos, efeitos que ocupam as pautas das manchetes da mídia e morrem com o fim do evento, sem repercussão no atendimento de suas demandas, ou alteração em suas práticas, ou nas ações e diretrizes de seus opositores”.

Ainda sobre a relação do movimento social com o governo Lula, reproduzimos a análise do sociólogo Werneck Vianna, que não se encontra entre os entrevistados, mas que é elaborador da tese de que na questão dos movimentos sociais Lula evoca o Estado Novo do período getulista. “Qual foi a operação que o Estado Novo getuliano fez? Exatamente esta: tudo o que era vivo na sociedade ele trouxe para si. Tal como agora. Trouxe para si e, de cima, formula políticas para a sociedade”, diz ele. Segundo Werneck, “um governo que absorve as representações corporativas de trabalhadores e empresários, com um chefe de Executivo carismático a mediar interesses conflitantes, fortalecido pela crescente centralização do Estado”. “Ele [Lula] tem força, carisma, para segurar essa colcha e essa federação é boa para todos”.

A interpretação de Werneck Vianna é a de que o governo Lula engoliu a todos. O movimento social grita, reage, mas no limite não rompe com o governo; a direita esperneia, protesta, mas rende-se ao governo de coalizão; o capital produtivo e financeiro reclama, mas está contente com Lula. No máximo o presidente, deixa “que os dissídios internos amadureçam e no final arbitra e decide”. Lula tornou-se o conciliador de classes.

Rudá Ricci comenta ainda um outro problema relacionado a autonomia dos movimentos sociais. Segundo ele, “vários movimentos sociais e organizações populares se enredaram numa forte crise de financiamento e até hoje não acharam uma saída que lhes garanta autonomia política efetiva”.

Perspectivas políticas do movimento social pós-2010

Tendo presente o tema da política e a relação da autonomia versus poder, quais são as perspectivas do movimento social para o pós-2010? Convidados a falar sobre esse tema, os entrevistados pela IHU On-Line deram suas opiniões. Rudá Ricci considera que “com Dilma presidente, a agonia [do movimento social] aumentará, porque ela é muito mais dura e tecnocrática que Lula. Não tem compromissos históricos e pessoais como Lula com os movimentos sociais. Não dará as costas, mas continuará e acentuará a lógica atual”.

Com Serra, diz ele, “já sabemos que o enfrentamento será uma tônica. Veja o tratamento que confere à greve dos professores paulistas. Trata como elemento de disputa partidária porque o PSDB nunca conseguiu ter peso nas lutas sociais brasileiras. É mais analista de gabinete que ator social. Em suma: não teremos dias muito profícuos na próxima gestão”. Entretanto, Rudá comenta que “com Serra, é possível que as lutas sociais ganhem intensidade. Parecerá uma volta, mantendo os velhos problemas. E poderá se partidarizar ainda mais. A solução estará na superação dos próprios fantasmas. Se movimentos sociais e organizações populares não enfrentarem seus fantasmas, estaremos sempre dependentes do próximo eleito. O que é muito pouco para aquilo que desejavam na fase de redemocratização do país”, afirma.

O professor e sociólogo Ivo Lesbaupin tem a opinião que “qualquer que seja o presidente eleito, há uma grande vantagem: o governante não será o Lula, será possível uma postura mais crítica em relação ao governo. Hoje, para muitos, como disse Chico de Oliveira, Lula virou um mito. Mesmo parte dos militantes de esquerda justifica o que ele faz claramente à direita, em continuidade à política macro-econômica de Fernando Henrique, a serviço do capital financeiro. Mesmo que sua candidata vença, não será a mesma coisa: haverá a possibilidade de uma postura mais independente. É claro que um governo do PT procurará continuar o esforço de cooptação, isto é, de neutralização de movimentos sociais, mas a margem para resistir será maior”.

O pesquisador do Pólis, Silvio Caccia Bava destaca que “neste momento, estamos vivendo uma promiscuidade entre os movimentos sociais e estas instâncias de governo que envolvem a participação, que priorizaram a negociação nesses espaços ao invés das formas tradicionais de pressão dos movimentos sociais: gente na rua, mobilizações, denúncias. Se continuarmos dentro desse quadro político no próximo mandato presidencial, possivelmente continuaremos tendo essa ambiguidade e fragmentação que os movimentos sociais apresentam hoje”.

Segundo ele, “se o quadro eleitoral mudar, pode haver também uma mudança forte na própria lógica dos movimentos porque, certamente, em um governo que não represente continuidade, todas essas lideranças sociais voltam para a sociedade civil. Então, o movimento é uma relação de processar conflitos e demandas. De um lado, pessoas exigem direitos e, de outro, instâncias públicas tentam responder a isso, ou não. Justamente esse jogo de processar demandas e conflitos é importante, é aí que está o núcleo da democracia. Democracia é como se processa o conflito de uma maneira negociada numa sociedade. Mas, para isso, é preciso ter saldos de ganho da parte de quem está demandando porque, do contrário, se desacredita no processo de negociação”.

Silvio Caccia conclui: “Hoje, o que estamos vendo é que os benefícios que os mais pobres estão tendo não estão passando por resoluções de negociações de conflitos; estão passando por políticas de iniciativa do próprio governo, que faz um cadastramento de pessoas e que trata os movimentos e as entidades de representação coletiva de uma maneira distinta das clientelas das suas políticas”.

O educador popular Ivo Poletto, destaca outro processo que considera importante. Segundo ele: “Há uma frase, repetida nos espaços da Assembleia Popular, que também vive suas crises, que me parece indicar o melhor rumo a ser seguido pelos movimentos sociais: ‘em outubro, nosso candidato é o projeto popular’. Isso significa que não se deverá repetir o equívoco anterior, a saber: apostar todas as fichas em eleições, num partido, num candidato. A prática ensinou que, se não crescer a capacidade sociopolítica dos movimentos sociais, pode-se perder a disputa pela orientação política do governo eleito”.

Então, diz Poletto, “o caminho a ser seguido, e que pode ser permanente e autonomamente definido, é o reforço dos movimentos sociais, aprofundando seu enraizamento em sua base social; capacitando com consciência crítica mais lideranças; avançando na capacidade de trabalhar em rede; articulando-se para ser expressão democratizante do poder popular; democratizando as relações no interior dos movimentos, redes e articulações, para democratizar o Estado através da mobilização política da sociedade brasileira”.

Os novos movimentos sociais e novas urgências

Há o consenso de que alguns movimentos sociais – especialmente o operário – sofreram um declínio por razões diversas: desmonte neoliberal (Ivo Lesbaupin), perda do “imaginário de transformação social”, relação confusa ou “promíscua” com o governo (Caccia Brava). Ou mesmo perderam sua hegemonia.

Outros – como o MST – mantêm sua importância. Em parte porque souberam atualizar seu repertório de enfrentamentos, como destaca Caccia Brava: “Vejo, não só o MST como o movimento mais importante que organiza pressões, mas como um grupo que busca novos paradigmas. O MST trabalha com a noção da agroecologia, não aceita a utilização do agrotóxico, busca fortalecer a unidade produtiva familiar, que é o que gera emprego nesse país. Ele tem um papel de integração, coesão e inclusão social muito forte”. Entretanto, há também divergências entre os entrevistados a esse respeito.

Mas, novos movimentos sociais fizeram sua entrada em cena na virada de século e milênio. O movimento ambientalista é um deles. Convém destacar que o movimento ambientalista é muito mais amplo que o punhado de ONGs que atuam na área, muitas vezes tecnológica e estruturalmente bem dotadas. O movimento ambientalista – talvez seja mais correto chamá-lo de movimento ecológico – compreende uma ampla gama de lutas que compreendem setores de igrejas, como no caso da oposição à transposição do Rio São Francisco, os povos indígenas na sua luta para reconquistar as terras em Roraima, na Bahia, no Mato Grosso do Sul, bem como na resistência às usinas projetadas para serem construídas na Amazônia, especialmente a de Belo Monte, os movimentos “Xingu Vivo”, “Tapajós Vivo”, os movimentos – muitas vezes difusos – contra as monoculturas de todo tipo, etc.

Como observa Ivo Poletto, “o que se percebe de novo, talvez, é a emergência da consciência e de objetivos ecológicos nos movimentos recentes. Além disso, como nascem de desafios muito concretos, as forças sociopolíticas mobilizadas são diversificadas; menos com viés de ‘classe’, se desejarmos”.

Alan Touraine compreende os “novos movimentos sociais” como aqueles que “não têm por princípio transformar as situações e as relações econômicas; defendem a liberdade e a responsabilidade de cada indivíduo, sozinho ou em coletividade, contra a lógica impessoal do lucro e da concorrência. E também contra uma ordem estabelecida que decide o que é normal ou anormal, permitido ou proibido” (n.2).

Nessa definição cabe o movimento ecológico, como observa Poletto, mas também os “os movimentos específicos, em defesa de identidade ou de igualdade, o movimento de mulheres, o movimento negro, o dos homossexuais, os GBLT, o dos quilombolas…”, como observa ainda Ivo Lesbaupin. E os povos indígenas, como já apontamos anteriormente.

Algo novo – e nem sequer mencionado nas entrevistas – é o movimento de defesa dos direitos dos animais. Esses movimentos trazem novas sensibilidades, nem sempre percebidas pelos “antigos” movimentos sociais, mais atentos ao corte de classe social.

Notas
1 – Entrevista publicada no Boletim CEPAT Informa n. 117, jan. 2007, p. 27-31).
2 – TOURAINE, Alain. Um novo paradigma. Ed. Vozes, 2006, p. 180.

A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura da revista IHU On-Line – edição 325, 19-04-2010 – Movimentos sociais. Perspectivas e desafios. A análise é elaborada, em fina sintonia com o IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT – com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

(Ecodebate, 22/04/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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Avança o monopólio da terra para a produção de agrocombustíveis - Maria Luisa Mendonça

Portal Ecodebate


O monopólio da terra segue como tema central diante do avanço do capital sobre recursos estratégicos em todo o mundo. Nesse contexto, a produção de agocombustíveis cumpre o papel de justificar este processo, a pretexto de servir como suposta alternativa para a crise climática. Porém, quando falamos sobre mudanças climáticas, estamos realmente nos referindo a mudanças no uso do solo, com a expansão dos monocultivos, da mineração, das grandes barragens, e outros projetos de controle de recursos energéticos, que estão na raiz da crise climática.

No Brasil, os velhos usineiros, agora travestidos de empresários “modernos”, em conseqüência da propaganda sobre as supostas vantagens do etanol, intensificam suas campanhas internacionais para vender o produto. Recentemente, ganharam um reforço especial, com o anúncio do governo sobre acordos trabalhistas e de zoneamento ambiental. Porém, um breve relato sobre as atuais tendências do setor é suficiente para mostrar que estas são apenas medidas de fachada.

As características que historicamente marcaram a oligarquia rural no Brasil permanecem inalteradas. Ou seja, o monopólio da terra, a exploração do trabalho e de recursos naturais estratégicos. A principal mudança tem sido a presença crescente do capital internacional na indústria dos agrocombustíveis. Há alguns anos verifica-se um aumento do ritmo de aquisições no setor sucro-alcooleiro, com um crescimento na participação de empresas estrangeiras e um aumento na concentração do poder econômico de determinados grupos.

A participação de empresas estrangeiras na indústria da cana no Brasil cresceu de 1% em 2000 para 20% em 2010. Existem cerca de 450 usinas no Brasil, controladas por 160 empresas nacionais e estrangeiras. De acordo com estudo do grupo KPMG Corporate Finance, de 2000 a setembro de 2009, ocorreram 99 fusões e aquisições de usinas no Brasil. Entre estas, 45 negociações aconteceram no período de 2007 a 2009, sendo que em 22 casos ocorreu a compra de uma usina nacional por um grupo estrangeiro.

Em outubro de 2009, a empresa francesa Louis Dreyfus Commodities anunciou a compra de cinco usinas da Santelisa Vale, de Ribeirão Preto (SP). A fusão criou o grupo LDC-SEV Bioenergia, tornando-se o segundo maior produtor mundial de açúcar e etanol. O grupo pretende produzir 40 milhões de toneladas de cana-de-açúcar por ano e tem participação acionária das famílias Biaggi e Junqueira, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e do banco Goldman Sachs.

Uma nova característica da indústria do etanol, se comparada ao Pró-Alcool da década de 1970, é a aliança entre setores do agronegócio com empresas petroleiras, automotivas, de biotecnologia, mineração, infra-estrutura e fundos de investimento. Neste cenário, não existe nenhuma contradição destes setores com a oligarquia latifundista, que se beneficia da expansão do capital no campo e do abandono de um projeto de reforma agrária.

Em 2009, a empresa petroleira britânica British Petroleum (BP) anunciou que irá produzir etanol no Brasil, com um investimento de US$ 6 bilhões de dólares nos próximos dez anos. A BP irá atuar através da Tropical Bioenergia, em associação com o Grupo Maeda e a Santelisa Vale, em Goiás, que contam com uma área de 60 mil hectares para a produção de cana no estado.

Em julho de 2009, a Syngenta divulgou a aquisição de terras para produzir mudas de cana-de-açúcar na região de Itápolis (SP). O projeto inclui a produção de mudas transgênicas e pretende se expandir para outros estados, como Goiás, Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso do Sul.

No início de 2010, ocorreram novas fusões. Em janeiro, a multinacional agrícola Bunge anunciou a compra de quatro usinas do Grupo Moema, incluindo a usina Itapagipe que tinha participação acionária de 43,75% da empresa norte-americana Cargill. Com a negociação, a Bunge passará a controlar 89% da produção de cana do Grupo Moema, estimada em 15,4 milhões de toneladas por ano.

Em fevereiro, foi anunciada a fusão da ETH Bioenergia, do grupo Odebrecht, com a Companhia Brasileira de Energia Renovável (Brenco), que pretende se tornar a maior empresa de etanol no Brasil, com capacidade para produzir três bilhões de litros por ano. Alguns dos acionistas da Brenco são Vinod Khosla (fundador da Sun Microsystems), James Wolfensohn (ex-presidente do Banco Mundial), Henri Philippe Reichstul (ex-presidente da Petrobrás), além da participação do BNDES. Já a Odebrecht tem sociedade com a empresa japonesa Sojitz. O novo grupo irá controlar cinco usinas: Alcídia (SP), Conquista do Pontal (SP), Rio Claro (GO), Eldorado (MS) e Santa Luzia (MS).

O conglomerado ainda participa da construção de um alcoolduto entre o Alto Taquari e o porto de Santos, e pretende instalar usinas na África. A empresa pretende captar R$ 3,5 bilhões até 2012, dos quais pelo menos 20% virão do BNDES, além de outros R$ 2 bilhões que o banco já investiu anteriormente na Brenco.

Nesta mesma linha, em fevereiro de 2010, a gigante petroleira holandesa Shell anunciou uma associação com a Cosan para a produção e distribuição de etanol, com o objetivo de produzir 4 bilhões de litros até 2014. Ao divulgar a operação, a nota da Shell afirmava que pretende criar “um rio de etanol, correndo desde as plantações no Brasil até a América do Norte e a Europa”. Apesar da repercussão internacional da prática de trabalho escravo na Cosan, a empresa segue como líder no setor.

Seguindo esta tendência, a Vale anunciou que pretende produzir diesel a partir do óleo de palma na região amazônica a partir de 2014, através de uma parceria com a empresa Biopalma da Amazônia S.A. A intenção é produzir 500 mil toneladas de óleo de palma por ano. Parte do combustível será utilizada nas locomotivas da estrada de ferro e nas minas de Carajás, no Pará.
A expansão do monocultivo de cana-de-açúcar

Em relação ao avanço territorial do monocultivo de cana, dados da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) mostram que, em 2006, eram 4,5 milhões de hectares e, em 2008, chegaram a 8,5 milhões de hectares. Na a safra de 2009 houve um aumento de 7,1% em relação a 2008. Esta expansão é estimulada por recursos públicos. Entre 2008 e 2009, estima-se que o setor sucroalcooleirotenharecebido mais de R$ 12 bilhões do BNDES. Esta verba é extraída, em grande medida, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Segundo a CONAB, 45,08% da safra foi destinada à produção de açúcar e 54,9% à produção de etanol, que resultou em 25,87 bilhões de litros do produto. A expansão da área plantada foi de 6,7%, ou cerca de 473 mil hectares. A maior expansão ocorreu na região do Cerrado, principalmente em Mato Grosso do Sul (38,80%) e Goiás (50,10%).

Dados do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), da Universidade Federal de Goiás, indicam que o ritmo atual de desmatamento do Cerrado poderá elevar de 39% para 47% o percentual devastado do bioma até 2050. A pesquisa demonstra ainda que a destruição do Cerrado coloca em risco a disponibilidade de recursos hídricos para o Pantanal e a Amazônia, pois estes biomas estão interligados.

Trabalho escravo

As usinas de cana se tornaram campeãs em trabalho escravo nos últimos anos. De acordo com dados da Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2007, dos 5.974 trabalhadores resgatados da escravidão no campo brasileiro, 3.060, ou 51%, foram encontrados no monocultivo da cana de açúcar. Em 2008, dos 5.266 resgatados, 2.553, ou 48% dos trabalhadores mantidos escravos no país estavam em plantações de cana. De janeiro a junho de 2009, este número era de 951 trabalhadores, que representavam 52% do total.Ao final de 2009, o Ministério do Trabalho registrou a libertação de 1.911 trabalhadores nas usinas de cana nos estados de Goiás, Mato Grosso, Pernambuco, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Em 2009, o Ministério do Trabalho inclui grandes usinas na chamada “lista suja” do trabalho escravo. Uma delas foi a Brenco, que tem participação acionária de 20% do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Entre 2008 e 2009, o BNDES liberou R$ 1 bilhão para usinas da Brenco em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Ao mesmo tempo, o Grupo Móvel expediu 107 autos de infração contra a empresa, que é presidida pelo ex-presidente da Petrobras Henri Philippe Reichstul. Apesar da prática de trabalho escravo, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, anunciou a continuidade do financiamento para a Brenco.

Em 31 de dezembro de 2009, foi a vez do grupo Cosan — a maior empresa do setor sucroalcooleiro do país, com produção anual de 60 milhões de toneladas de cana. Apesar da prática de trabalho escravo, a Cosan recebeu R$ 635,7 milhões do BNDES em junho de 2009, para a construção de uma usina de etanol em Goiás. O BNDES manteve o financiamento para a Cosan, mesmo após a evidência de trabalho escravo. A Cosan possui 23 usinas, controla os postos da Exxon (Esso do Brasil) e teve um faturamento de R$ 14 bilhões de reais em 2008.

Em outubro de 2009, o Grupo Móvel libertou 55 trabalhadores escravizados na Destilaria Araguaia (chamada anteriormente de Gameleira), no Mato Grosso. Segundo o auditor fiscal Leandro de Andrade Carvalho, que coordenou a operação, os trabalhadores estavam sem receber salário há três meses. Esta foi a terceira libertação realizada em oito anos na mesma usina. A Destilaria Araguaia pertence ao Grupo Eduardo Queiroz Monteiro (EQM) – um grande conglomerado econômico com sede em Pernambuco. O grupo controla outras usinas em Pernambuco, Tocantins e Maranhão, além de participar como acionista em veículos de comunicação como o jornal Folha de Pernambuco, a Rádio Folha de Pernambuco, Folha Digital de Pernambuco e Agência Nordeste.

Em junho de 2009, fiscais do Ministério do Trabalho e do Ministério Público detectaram irregularidades em usinas fiscalizadas na região de Ribeirão Preto, em São Paulo, entre elas a Bazan, Andrade, Central Energética Moreno Açúcar e Álcool, e Nardini Agroindustrial. As usinas não forneciam equipamento adequado (como luvas, sapatos e caneleiras) e foram constatadas irregularidades no pagamento da jornada de trabalho. Os trabalhadores declararam que cortam cerca de 20 toneladas de cana por dia. Os fiscais também registraram condições precárias de moradia, como superlotação, locais com risco de incêndio e falta de condições de higiene.

Ainda em 2009, o Ministério Público do Trabalho (MPT) conseguiu uma liminar que obriga a usina São Martinho, em Limeira (SP), a corrigir irregularidades trabalhistas. Durante fiscalizações nas safras de 2007 e 2008, o MPT constatou a falta de equipamentos de proteção, de segurança no trabalho, de cuidados médicos, de condições de higiene e de alimentação adequadas. A ação judicial inclui ainda a condenação da empresa ao pagamento de R$2 milhões aos trabalhadores por dano moral.

Desemprego e trabalho degradante

A expansão de monocultivos para a produção de agroenergia gera desemprego, pois causa a expulsão de camponeses de suas terras, impede que outros setores econômicos se desenvolvam e gera dependência dos trabalhadores a empregos precários e temporários.

José Alves é cortador de cana no interior de São Paulo e explica, “Esse serviço é muito ruim, a gente só vem porque precisa mesmo. Eu vim de Minas e lá não tem outro serviço. Mas a gente nunca sabe quanto vai receber, porque tem muito desconto do salário. Eu recebo uma média de $700 por mês, mas tudo é caro — aluguel, alimentação, e não sobra nada. A gente sabe que a usina rouba no pagamento, mas temos que ficar calados.

A expansão e a crescente mecanização do setor canavieiro têm gerado maior exploração da força de trabalho. A maioria dos trabalhadores não tem controle da pesagem de sua produção diária. “A gente nunca sabe quanto vai ganhar e o pagamento vem com muitos descontos. A usina rouba no peso ou na qualidade da cana cortada. Por exemplo, uma cana que vale $5 reais a tonelada, eles pagam só $3 reais. É assim que a usina engana os trabalhadores”, denuncia D.S., cortador de cana em Engenheiro Coelho, SP.[1]

Outro trabalhador da região, Jacir Pereira, confirma a denúncia: “A gente ganha pouco e o salário não confere com o que a gente corta, nem com o acordo coletivo. O acordo diz que o preço da tonelada é $5,85, mas a usina paga só $3,87. Eu tenho que cortar 18 toneladas de cana por dia, trabalhando de segunda a sábado. Só de aluguel eu pago $700,00 e não sobra quase nada”.

As mulheres, apesar de discriminadas pelas usinas, também se arriscam no trabalho pesado, como conta a trabalhadora Odete Mendes, “Eu corto dez toneladas de cana por dia e ganho $190 reais por semana. Só de aluguel, eu gasto $270 por mês. Eu vim do Paraná, mas não quero ficar mais aqui. A gente vive num quarto muito pequeno, tem que dormir no chão. Eu já quebrei o braço e nem agüento mais pegar no facão. Sinto falta de ar, às vezes parece que vou morrer”.

Os movimentos repetitivos no corte da cana causam tendinites e problemas de coluna, descolamento de articulações e câimbras, provocadas por perda excessiva
de potássio. Carlita da Costa, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Cosmópolis, conta que “Quando começa a safra, você vai na roça e vê o pessoal todo com o pulso enfaixado, porque abre o pulso e eles não conseguem movimentar a mão, não agüentam a dor. O pessoal tem muita tosse, muita dor de cabeça, muita câimbra”.

Os ferimentos e mutilações causados por cortes de facão são freqüentes. Porém, raramente as empresas reconhecem estes casos como acidentes de trabalho. Muitos trabalhadores doentes ou mutilados, apesar de impedidos de trabalhar, não conseguem aposentadoria por invalidez. “Já quebrei o braço duas vezes. Quando alguém passa mal durante o trabalho, não recebe atendimento. Outro dia um companheiro feriu o olho e a enfermeira da usina não quis atender. Querem o nosso serviço, mas não temos assistência médica quando alguém se machuca”, diz J.S., trabalhador da usina Ester em São Paulo.

Como forma de evitar que os trabalhadores morram de exaustão, as usinas passaram a distribuir estimulantes com sais minerais, após a divulgação de dezenas de casos de morte nos canaviais. “Um dos trabalhadores que cortava mais cana na usina Ester era o Luquinha, conhecido como “podão de ouro”. Em pouco tempo, ele ficou doente, sentia dores em todo o corpo, não conseguia comer nem andar. Morreu aos 34 anos. O sistema do pagamento por produção é que causa a morte dos trabalhadores”, explica Carlita da Costa, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Cosmópolis, SP.

“É comum ouvir tosse e gritos nos canaviais. Temos que inalar os agrotóxicos e a cinza da cana queimada o dia todo. Uma vez eu caí no monte de cana e senti um gosto de sangue na boca. Percebi que o corte da cana estava me matando”, completa Carlita.

Migração

Em São Paulo (maior produtor do País), a maioria dos trabalhadores no corte da cana é formada por migrantes. O desemprego causado pelo modelo agrícola baseado no monocultivo e no latifúndio aumenta o contingente de trabalhadores que se submetem a trabalhar em lugares distantes de sua origem, em condições degradantes. Estes trabalhadores são aliciados por “gatos” ou “turmeiros”, que realizam o transporte e fazem a intermediação das contratações com as usinas.

A história do trabalhadorE. S.ilustra a situação dos migrantes, “Tenho 27 anos e vim da Paraíba, porque lá não tem trabalho. Tem muito nordestino aqui. A gente ganha uns $20 reais por dia, mas o custo de vida é muito alto. A usina baixa o preço da cana e não temos controle”.

Ana Célia tem uma história parecida, “Tenho 24 anos e vim de Pernambuco. A usina rouba no peso da cana. A gente corta 60 quilos e recebemos somente por 50 quilos. Tenho problema na coluna, sinto dor no corpo todo. Já emagreci nove quilos nessa safra. Meu marido cortava cana, mas foi afastado porque ficou doente. Quero ir embora”.

A trabalhadora Edite Rodrigues resume a situação no corte da cana. “Tenho 31 anos e vim de Minas Gerais. Tenho três filhos e preciso trabalhar, mas a gente não vê a hora de ir embora. Quando termina o dia, o corpo está todo quebrado, sinto câimbra e ânsia de vômito. Mas no outro dia, começa tudo de novo. A cinza da cana ataca o pulmão e não sara nunca. A terra fica seca com o sol quente e vem aquele pó. Às vezes só ganho $50 reais por semana porque a usina engana a gente.”

Carlita da Costa conclui que, “Vai continuar morrendo gente, o roubo vai continuar até o dia que acabar o trabalho por produção. Esse método de pagamento mata os trabalhadores”.

Luta camponesa

Apesar de ocupar apenas um quarto da área, o Censo mais recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) constatou que a agricultura camponesa responde por 38% do valor da produção (ou R$ 54,4 bilhões). Em relação à geração de empregos, de cada dez trabalhadores no campo, sete estão na agricultura camponesa, que emprega 15,3 pessoas por 100 hectares. No caso da agricultura extensiva, em cada 100 hectares são gerados apenas dois empregos.

Segundo análise de Frei Sergio Gorgen, dirigente do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), “No Plano Safra 2009/2010 foram destinados R$ 93 bilhões para o agronegócio e R$15 bilhões para a agricultura camponesa, sendo que 1 hectare da agricultura camponesa teve, em média, uma renda de R$ 677,00, enquanto que 1 hectare do agronegócio teve, em média, uma renda de apenas R$ 368,00. Daquilo que vai para a mesa dos brasileiros, 70% é produzido pelos pequenos agricultores”.

Além de receber subsídios de forma desproporcional, o latifúndio se beneficia com outras formas de privilégio, como a Medida Provisória que legaliza a grilagem de terras na Amazônia, a “flexibilização” da legislação ambiental e trabalhista, a continuidade da prática de trabalho escravo, entre outras. O monopólio da terra impede que outros setores econômicos se desenvolvam, gerando desemprego, estimulando a migração e a submissão de trabalhadores a condições degradantes. Este cenário significa que a resistência dos camponeses é estratégica, já que se encontram no centro da disputa por recursos estratégicos, com o avanço do capital no meio rural.

Maria Luisa Mendonça é jornalista e coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

Revista Caros Amigos / Minga Informativa

[1] Estas entrevistas foram realizadas em setembro de 2009. Alguns nomes de trabalhadores foram substituídos por suas iniciais, para evitar retaliação por parte das usinas. A autora agradece o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Cosmópolis, ao Movimento Sem Terra e a Comissão Pastoral da Terra pelo apoio a pesquisa.

Artigo socializado pela ALAI, América Latina en Movimiento e publicado pelo EcoDebate, 28/04/2010

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terça-feira, 27 de abril de 2010

Projeto Jussara - Iniciativa da Comunidade do Guapiruvu

Objeto: Aquisição de sementes de juçara pela Fundação Florestal para distribuição e repovoamento de áreas de mata prioritárias e relevantes, no entorno do Parque Intervales.



PROJETO JUSSARA G30 (inicio 2002)



Parceria: Fundação Florestal
Apoio- IDESC, PROTER,ISA, SOS Mata atlântica

Objetivo:
Valorizar a juçara como alternativa de agricultura;
Aproveitamento do potencial de mercado da juçara;
Criar uma alternativa racional de manejo da juçara;
Proteger a juçara da depredação e extinção;
Conscientizar para o processo de valorizar os recursos naturais da comunidade;
Iniciar a discussão para uma alternativa de manejo legal diferenciado para aqueles que vivem dessa atividade ilegal;
Banco de mudas e sementes para distribuição e comercialização.
Metas e expectativas:
Implantar uma área experimental e demonstrativa;
Realizar 10 planos de manejo para licenciamento ambiental;
Comercializar os subprodutos do palmito, polpa da semente.
Construir uma pequena fabrica de polpa e de conserva.
Produtos:
Realizado em mutirão 10.000 mudas, em um método experimental e alternativo ecológico.(2001)
Implantado as áreas experimentais e demonstrativas, com o cadastramento de 30 produtores, Levantamento e georeferencia, com fotografias das áreas. (2004)
Comercialização de mudas produzidas nos três viveiros da comunidade
Iniciado em 2006 a comercialização de polpa e sementes.
Oficina sobre manejo (colheita) e comercialização da polpa da juçara (2005)
Realizado 2 oficinas gastronômica na comunidade, para incentivar a alimentação local, na perspectiva da segurança alimentar.(2007)
Doação de sementes para outras comunidades interessadas na juçara .
Realizamos oficinas de processamento de polpa em outras comunidades.
, 7 pequenos agricultores familiares estão Licenciados pelo DEPRN.(2008)
Aquisição de equipamentos para beneficiamento da polpa da juçara(2007)
Distribuição p/ comunidade de 400 kg de sementes, importado de Santa Catarina para melhoramento genético (2007)
Integração na Rede Juçara da mata atlântica (2008)
Elaboração do Projeto Rede Juçara para o PROINF/MDA (Integração c/ a Comunidade do Rio Preto Sete Barras, e Ribeirão e Mota de Registro/ 2009)
Distribuição de 1760 kg de sementes para comunidade, em 65,4 há.( agosto/2009)
Diagnostico da produção de Palmáceas no Guapiruvu (2004- Fundação Florestal)



Espécie(s) Número de Pés Área Aproximada (ha)
Açaí 1.000 0,5
Consorciado 46.339 5,61
Híbrida 20 0,018
Jussara 293.351 74,257576
Pupunha 19.810 3,604
Real 38.150 3,1048
Total 398.670 87,094376

INTRODUÇÃO:
Através do PROJETO JUCEARA G30, a comunidade do Bairro Guapiruvu implementa a atividade com a juçara, na perspectiva do protagonismo gerando demanda de política publica e motivando contumazes extratores de juçara da mata atlântica a mudarem seus hábitos, acreditando que com organização, coordenação e cooperação é possível a viabilidade econômica com o manejo da juçara, legalizada e licenciada.

A iniciativa é coletiva , integra o Empreendimento Socioambiental, AGENDA XXI- Sistema C/ Complexo Coordenado Cooperado e Compartilhado do Guapiruvu, dentro do Programa de Economia Solidaria e Negócios Sustentáveis, Projeto JUCEARA G30.

Esta ação é resultado da persistência da comunidade, que em abril deste ano, em reunião com o Diretor da Fundação Florestal em São Paulo, encaminharam esta parceria, no qual a FF adquire as sementes de juçara com objetivo de distribuir para agricultores interessados do entorno do PEI (Parque Intervales).

Portanto após ampla divulgação, articulação e reuniões de planejamento, foi executado a atividade, o qual segue relatório.


Relato
Em duas reuniões foi efetivado o plano de trabalho, e decidida a metodologia de semeadura, da seguinte forma: as famílias foram divididas em núcleos que se caracterizam por estarem localizadas próximas umas das outras facilitando o transporte e otimizando os trabalhos em conjunto fazendo mutirões nas áreas.

Foi realizado um cadastro de interessados em consequencia identificamos cada área, especifico no assentamento através do mapa coletamos os dados que possibilitou a totalidade de área de mata de cada assentado onde foi semeada a lanço.

Cada beneficiário disponibilizou uma pessoa para colaborar no plantio que foi a lanço, com a monitoria e operacionalização, acompanhada de dois estudantes técnicos em agroecologia e dois colaboradores, alem do apoio dos beneficiários, com a meta de semear seis hectares a cada 8 horas de trabalho,

O produtor /titular do lote participaram diretamente da operação em mutirões agendadas em cronograma por afinidade e logística e realizar a execução com placas de identificação e fotografias de cada área, foi previsto para formalizar a prestação de conta para sociedade do investimento de recurso publico, sobretudo, fundamentalmente, documentar a atividade para posterior licenciamento ambiental e viabilização econômica da produção.



Contingências:

1) Resistência da comunidade na construção coletiva, com ação integrada entre técnicos e produtores.

2) A comunidade é cética nas ações que envolvem órgãos públicos.

3) Parcela da comunidade duvida da liberação do licenciamento ambiental para colheita de palmito e polpa legalizada.

Conclusão:
total semeado 1760 kg/ 65,4 ha

Beneficiários:

Assentados 1460 kg = 53,4 ha

Agricultores da comunidade 300 kg= 12 h








Data 04/08 equipe técnica, e colaboradores, organizando transporte das sementes.


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quinta-feira, 22 de abril de 2010

Notícias de Cochabamba - Envolverde

DECLARACIÓN de la
III Feria Internacional del Agua dirigida a la

Conferencia Mundial de los Pueblos sobre el Cambio Climático y los Derechos de la Madre Tierra



El cambio climático es resultado de un modelo productivo extractivista, depredador y contaminante ejemplificado en la explotación de la minería de gran escala, petróleo, carbón, gas, represas de agua, orientadas a satisfacer un consumo energético derrochador, que incluye la industria militar. Por otra parte, la agricultura industrial que fomenta el monocultivo en enormes extensiones territoriales, profundiza el cambio climático, que margina a la gran mayoría de los pueblos de las tomas de decisiones y del producto de su trabajo.

Estas actividades concentran y se apropian de las aguas superficiales y subterráneas y destruyen los ecosistemas generadores de agua; son altamente consumidoras de agua dulce, y devuelven a la naturaleza agua contaminada, trastornando así el ciclo hidrológico natural.

A este problema generado por los países industrializados y las multinacionales se han propuesto falsas soluciones dentro de la lógica del mercado, como son: los agrocombustibles, las plantaciones forestales para sumideros de cabono, las represas hidroeléctricas y la energía nuclear dentro del mal llamado Mecanismo de Desarrollo Limpio (MDL). A esto se agregan nuevas “propuestas” como el mecanismo de Reducción de Emisiones por Deforestación y Degradación Evitada (REDD). Estos mecanismos profundizan el problema climático y ambiental, pero sobre todo son medidas de recolonización territorial que quitan el derecho de uso, manejo y gestión del agua, la biodiversidad y el territorio a las comunidades locales.

PROPONEMOS

Impulsar la transición de un modelo extractivista a uno basado en principios de solidaridad, justicia, dignidad, respeto a la vida, reciprocidad y equidad, recuperando la visión andina del agua como energía, ser vivo, fuente de vida, regalo generoso de la Pacha Mama, que por tanto no puede ser apropiada por nadie.
Revocar permisos a las corporaciones trasnacionales y nacionales, decir basta en particular a las empresas mineras, gaseras, petroleras, de monocultivos, agroindustriales y ganadería intensiva. Estas actividades son voraces consumidoras de agua que termina convertida en mercancías para satisfacer un consumismo creciente.
Exigir a los gobiernos la aplicación de políticas de estado que preserven el patrimonio natural, los bosques y la biodiversidad, acorde con el equilibrio de los ecosistemas, poniendo énfasis en el agua y en especial el reconocimiento de los derechos de la madre tierra, los bienes comunes y al agua como un derecho humano.
Promover la recuperación de las prácticas de nuestros ancestros en tecnologías nuevas, alternativas y milenarias, que sean ambiental y socialmente justas y favorezcan el equilibrio en el relacionamiento humano satisfaciendo las necesidades para el “buen vivir” del pueblo. Impulsar la producción agrícola orgánica, el saneamiento básico amigable con la naturaleza y un manejo adecuado de residuos.
Exigir el reconoconocimiento y el respeto a los derechos de los pueblos originarios, campesinos y pequeños productores a sus territorios como la mayor garantía para la preservación del agua y las fuentes que la generan. Sólo así se conseguirá evitar y enfrentar las catástrofes del cambio climático.
Rechazar las falsas soluciones al cambio climático y atender las verdaderas necesidades de las comunidades.
Reclamamos a nuestros gobiernos, presentes en la cumbre de Cochabamba, la salida del Foro Mundial del Agua por ser una instancia que promueve la privatización del agua y es liderada por las multinacionales del agua.

Los participantes de la III Feria Internacional del Agua reunidos en Cochabamba del 14 al 18 de Abril de 2010 nos solidarizamos con las luchas de nuestros pueblos por el agua, en particular saludamos la resistencia del pueblo hondureño y su lucha por la democracia. Destacamos que la justicia climática no es posible sin una justicia del agua y nos declaramos parte del movimiento social global.





20/04/2010 - 10h04 -www.envolverde.com.br
Os direitos humanos e os direitos da natureza são dois nomes da mesma dignidade

Por Eduardo Galeano*

Montevidéu, abril/2010 – Lamentavelmente, não poderei estar com vocês. Um pau atravessou na roda, o que me impede de viajar. Mas quero acompanhar de alguma maneira esta reunião de vocês, esta reunião dos meus, já que não tenho outro remédio do que fazer o pouco que posso e não o muito que quero.

E por estar assim, ao menos lhes envio estas palavras. Quero dizer-lhes que oxalá se possa fazer todo o possível, e o impossível também, para que a Cúpula da Mãe Terra seja a primeira etapa para a expressão coletiva dos povos que não dirigem a política mundial, mas a sofrem.

Oxalá sejamos capazes de levar adiante estas duas iniciativas do companheiro Evo, o Tribunal da Justiça Climática e o Referendo Mundial contra um sistema de poder baseado na guerra e no desperdício, que despreza a vida humana e põe bandeira de remate em nossos bens terrenos.

Oxalá sejamos capazes de falar pouco e fazer muito. Graves danos nos fez, e continua causando, a inflação de palavras, que na América Latina é mais nociva do que a inflação monetária. E também, e sobretudo, estamos fartos da hipocrisia dos países ricos, que estão nos deixando sem planeta enquanto pronunciam pomposos discursos para dissimular o sequestro.

Há quem diga que a hipocrisia é o imposto que o vício paga à virtude. Outros dizem que a hipocrisia é a única prova da existência do infinito. E a discurseira da chamada “comunidade internacional”, esse clube de banqueiros e guerreiros, prova que as duas definições são corretas.

Quero comemorar, por outro lado, a força de verdade que irradiam as palavras e os silêncios que nascem da comunhão humana com a natureza. E não é por acaso que esta Cúpula da Mãe Terra acontece na Bolívia, esta nação de nações que está se redescobrindo ao fim de dois séculos de vida mentirosa.

A Bolívia acaba de comemorar os dez anos da vitória popular na guerra da água, quando o povo de Cochabamba foi capaz de derrotar uma todo-poderosa empresa da Califórnia, dona da água por obra e graça de um governo que dizia ser boliviano e era muito generoso com o alheio.

Essa guerra da água foi uma das batalhas que esta terra continua travando em defesa de seus recursos naturais, ou seja: em defesa de sua identidade com a natureza.

Há vozes do passado que falam ao futuro.

A Bolívia é uma das nações americanas onde as culturas indígenas souberam sobreviver. E essas vozes ressoam agora com mais força do que nunca, apesar do longo tempo da perseguição e do desprezo.

O mundo inteiro, aturdido como está, perambulando como cego em tiroteio, teria de ouvir essas vozes. Elas nos ensinam que nós, os humanitos, somos parte da natureza, parentes de todos os que têm pernas, patas, asas ou raízes. A conquista europeia condenou por idolatria os indígenas que viviam essa comunhão, e por acreditar nela foram açoitados, degolados ou queimados vivos.

Desde aqueles tempos do Renascimento europeu, a natureza se converteu em mercadoria ou em obstáculo ao progresso humano. E até hoje esse divórcio entre nós e ela persiste, a ponto de ainda existir gente de boa vontade que se comove pela pobre natureza, tão maltratada, tão lastimada, mas vendo-a de fora.

As culturas indígenas a veem de dentro. Vendo-a, me vejo. O que faço contra ela, faço contra mim. Nela me encontro, minhas pernas também são o caminho que a anda.

Celebremos, pois, esta cúpula da Mãe Terra. E oxalá os surdos ouçam: os direitos humanos e os direitos da natureza são dois nomes da mesma dignidade.

Voam abraços, desde Montevidéu. (IPS/Envolverde)

* Eduardo Galeano é jornalista e escritor uruguaio, autor do livro "As veias abertas da América Latina".


(IPS/Envolverde)

quarta-feira, 21 de abril de 2010

A economia da Família - Ladislau Dowbor

Março de 2003

Nós nos reproduzimos através de gerações sucessivas. E a unidade básica de organização desta reprodução é a família. Ou pelo menos foi: hoje, o processo está se tornando incomparavelmente mais complexo e diversificado.

A família como unidade econômica

Vísta pelo ângulo da economia, a reprodução de gerações numa família se constrói através de laços de solidariedade. Os pais cuidam das crianças, e dos seus próprios pais já idosos, e serão por sua vez cuidados pelos filhos. A solidariedade é marcada pela panela, pelo fato de um grupo sobreviver em torno do mesmo fogão de cozinha. Não é à toa que “lar” tem a mesma raiz que “lareira”, como é o caso também, por exemplo, de “foyer” e “feu” em francês. Como a criança não tem autonomia para sobreviver, e nem o idoso, a sobrevivência das sucessivas gerações dependia vitalmente no passsado, e ainda depende em grande parte nas sociedades modernas, da solidariedade famíliar.

Em termos econômicos, a fase ativa da nossa vida, tipicamente dos 16 aos 64 anos, pode ser vista como produzindo um excedente: produzimos nesta idade mais do que o consumido, e com isto podemos sustentar filhos e idosos, eventuais deficientes, ou doentes, ou pessoas da família, mesmo em idade ativa, que não tenham como sustentar-se. Em outros termos, a economia da família permite, ou permitia, uma redistribuição interna entre os que produzem um excedente, e os que necessitam deste excedente para sobreviver.

O que está acontecendo, é que a família está deixando de assegurar esta ponte entre produtores e não-produtores. A família ampla, onde se misturavam avôs, tios, primos, irmãos, praticamente desapareceu, ainda que sobreviva em regiões rurais. O capitalismo moderno, centrado no consumismo, inventou a família econômicamente rentável, composta de mãe, pai e um casal de filhos, o apartamento, a geladeira para 12 ovos, o sofá e a televisão. É a família nuclear.

A tendência mais recente, é a desarticulação da própria família nuclear. Nos Estados Unidos, apenas 26% dos domicílios têm pai, mãe e filhos. Na Suécia, seriam 23%. Hoje contam-se nos dedos os amigos que não estão divorciados. Mesmo quando estão juntos, pai e mãe trabalham, os filhos estão na escola (quando está tudo em ordem), e a vida famíliar resume-se frequentemente a uma pequena roda cansada olhando para as bobagens da televisão no fim da noite.

O próprio casamento tem um futuro incerto. Um balanço da situação na Europa ocidental e em países de expressão inglesa, constata que há quarenta anos havia em torno de 5% de nascimentos sem casamento. Hoje, esta proporção ultrapassa 30%. Esta tendência pode ser muito desigual: no Japão, apenas 1%. Entre os hispánicos nos Estados Unidos, são 42%, e entre negros americanos, 69%, enquanto a média geral americana é 33%.[1]

A mudança profunda e acelerada na estrutura famíliar terá sem dúvida profundo impacto sobre um grande número de dinâmicas sociais, a cultura, os valores, as formas de convívio. Interessa-nos aqui particularmente a dinâmica da reprodução social.

O ser humano nem sempre obedeceu à filosofia geral do homo homini lupus, homem lobo do homem. Para além da família, havia as comunidades, os clãs, tribos, quilombos, sociedades mais ou menos secretas e as mais diversas formas de solidariedade social. Ou seja, podia-se procurar o vizinho. Hoje, nesta era da sociedade anônima, uma pessoa está literalmente só na multidão urbana. A urbanização, e sobretudo a metropolizaçao, contribuiram para isto, mas também contribuiram a televisão, a formação dos subúrbios e das cidades-dormitório, e uma série de fatores tão bem estudados por Robert Putnam em Bowling Alone.[2] Voltaremos a isto. O que nos interessa neste momento, é o fato que junto com a família é a própria articulação da comunidade e da solidariedade social que se fragilizam.

Com a revolução tecnológica, o conhecimento torna-se um elemento central dos processos produtivos. Com isto, se uma geração atrás a infância terminava com o quarto ano, hoje, para a maioria das pessoas, a fase dependente no início da vida tende a estender-se cada vez mais, e vemos com frequência jovens que vivem uma pós-adolescência tardia, buscando mais um ano de estudo, à procura de um emprego no horizonte.

Do lado do idoso, havia uma certa lógica nas sociedades de antigamente. Vivia-se até os 50 anos, quando muito, e o tempo de criar os filhos era a conta justa. Hoje, uma pessoa pode perfeitamente viver até os 80 ou mais anos, e a terceira idade assume uma dimensão que cobre entre um quarto e um terço da nossa vida. Trata-se, aqui também, de uma fase de dependência muito precária, pois os sistemas de aposentadoria, tanto em termos de cobertura como de nível de remuneração, são amplamente deficientes, enquanto a família comercialmente correta simplesmente evita o convívio.

Ou seja, o tempo de dependência da nossa vida aumentou dramaticamente, enquanto a família, que assegurava a redistribuição do excedente entre as gerações – e entre as fases remuneradas e não-remuneradas das nossas vidas – está se tornando cada vez menos presente. Este processo torna absolutamente indispensável a presença de mecanismos sociais de redistribuição de renda, suprindo o papel que as famílias estão deixando de desempenhar. Trata-se de uma redistribuição de renda já não só dos ricos para os pobres, mas entre gerações.

Passamos a depender, portanto, de mecanismos formais de redistribuição do excende entre produtores e não produtores. Neste contexto, o ataque generalizado ao Estado, a redução do espaço do Estado de bem-estar – que aliás nunca foi muito amplo entre nós – e sobretudo a privatização das políticas sociais, tornam portanto a situação absolutamente dramática para amplas faixas da população. A continuidade do processo se rompe.

Tentar reduzir o Estado, sobretudo nas suas dimensões sociais, constitui portanto um absurdo, e uma compreensão completamente equivocada do rumo das transformações sociais. Os paises desenvolvidos, que possuem de forma geral amplas políticas sociais, se dotaram de máquinas estatais que gerem, em média, 50% do produto interno bruto. Em comparação, nos nossos pobres países em desenvolvimento o Estado gere em média 25% do Pib.

É importante lembrar que as políticas públicas, apesar de todo gosto que temos em criticar o Estado, constituem de longe o instrumento mais eficiente de promoção de políticas sociais, e em todo caso as únicas que permitem o reequilibramento social. Basta constatar a excelência nesta área atingida pelo Canadá, pela Suécia, ou ainda comparar o Canadá com os Estados Unidos, onde com o dobro do gasto não se chega nem longe da qualidade dos serviços de saúde canadenses. Isto sem falar de Cuba, onde a excelência na área da saúde é atingida com recursos extremamente exíguos. A razão é bastante simples, e meridianamente clara por exemplo na saúde: uma empresa privada quer ter mais clientes, o que no caso da saúde significa mais doentes. Com isto se perde a visão essencial da prevenção. Na educação, o processo é semelhante, com as universidades privadas aumentando simplesmente o número de alunos por professor: aluno é dinheiro, professor é custo. As pricipais universidades americanas são privadas, mas sem fins lucrativos. No caso brasileiro, com a forte concentração de renda, o setor privado, quando entra no social, busca naturalmente servir quem pode pagar, e gera o luxo para elites, drenando recursos e privando os serviços humanos do seu papel de reequilibrador social.[3]

No conjunto, portanto, enquanto as fases não remuneradas das nossas vidas se expandem, a família perde o seu papel redistribuidor, as comunidades perdem o seu caráter de solidariedade, o Estado abandona o seu papel de provedor, e o setor privado abocanha os recursos e os direciona para elites, agravando a situação do conjunto. Geram-se assim imensas tensões na reprodução social, tensões acompanhadas de desespero e impotência, porque sentidas como dramas individuais, de crianças e jovens sem rumos, de idosos reduzidos a uma mendicância humilhante, de um clima geral de vale-tudo social. Criança não vota, aposentado não paralisa processo produtivo, mãe que cria sozinha os seus filhos (26% dos domicílios no Brasil têm a mãe como principal responsável) nem tem tempo de pensar nestas coisas.

A poupança famíliar

A tendência é lamentável, pois nunca houve um excedente social – fruto do aumento da produtividade – tão amplo. No nível da família, o excedente se apresenta sob forma de poupança. Esta representa um tipo de seguro de vida individual, ou famíliar. No mundo da agricultura famíliar, a acumulação sob forma de bens ainda é forte: são as galinhas, os porcos, as vacas, as safras reservadas para consumo e semente, os embutidos, as conservas: de certa forma, a unidade de agricultura famíliar forma a sua própria conta bancária, sob forma de produção acumulada. No mundo urbanizado, ainda há gente que poupa através da aquisição de um segundo ou terceiro imóvel, que será alugado, e representa uma garantia de renda para o futuro. Mas no conjunto, passamos todos – os que temos certa poupança – a depender de intermediários financeiros. E quando não a temos, a depender dos crediários. Como as poupanças hoje são representadas por sinais magnéticos, com a correspondente volatilidade, perdemos o controle sobre o que é feito com o nosso excedente.

O caso brasileiro é aqui de uma clareza meridiana. O dinheiro que aplicamos no Banco rende, neste início de 2003, cerca de 10% ao ano. O Banco aplica este dinheiro em títulos do governo, a 26%. O governo, por sua vez, remunera estes títulos com dinheiro público, ou seja, com os impostos. Como 26% menos 10% são 16%, na prática as famílias estão remunerando o banco, via governo e por meio do imposto, 16% ao ano para que ele tenha o seu dinheiro. Trabalhar com dinheiro dos outros desta maneira, para o Banco, é muito estimulante.[4]

Naturalmente, uma remuneração dos intermediários financeiros neste nível de juros, a longo prazo, é insustentável, pois não há contribuinte para cobrir tanta dívida crescente. A dívida atinge algo como 800 bilhões de reais. Nem toda esta dívida é remunerada a 26%, mas de toda maneira atingimos um ponto em que o governo, mesmo apertando o cinto para ober um superávit de 4%, ainda assim mal cobre um terço dos juros, que dirá restituir o principal. Entramos assim, como país, na linha de tantas pessoas que por não poderem pagar um empréstimo, entram no cheque especial, e depois no limite do cartão e assim por diante. O sistema leva o governo a desviar – segundo previsão para 2003 – 146 bilhões de reais, para o serviço da dívida, com o que deixa de prestar boa parte das políticas sociais, razão inicial pela qual pagamos impostos.[5]

O que se passa no setor produtivo? Um produtor pode procurar o banco para financiar o seu negócio, mas como o banco tem a alternativa de aplicar sem risco a 26%, os juros cobrados são proibitivos (na faixa de 60% para o créditos empresarial), e o produtor nacional fica simplesmente inviabilizado. O resultado prático é a estagnação da economia. Com isto fica mais difícil ampliar a receita pública, o que por sua vez enforca ainda mais o governo, obrigando-o a elevar o juro, ou mantê-lo no nível estratosférico atual. A justificativa oficial é que se trata de conter a inflação: na realidade, a partir de um certo nível, a alta taxa de juros, em vez de conter a demanda, apenas aumenta os custos dos produtores, que repassam estes custos para os preços, gerando mais inflação. Quem paga esta inflação, naturalmente, são as famílias que aguardam o reajuste salarial ou da aposentadoria.

O que acontece com o desenvolvimento local? Antigamente – hoje antigamente significa algumas décadas atrás – um gerente de agência conversava com todos os empresários locais, buscando identificar oportunidades de investimento na região, tornando-se um fomentador de desenvolvimento. Hoje, o gerente é remunerado por pontos, em função de quanto consegue extrair. Ontem, era um semeador à procura de terreno fertil. Hoje, é um aspirador que deixa o vazio. O resultado prático, é que inúmeras pequenas iniciativas essenciais para dinamizar o tecido econômico do país deixam de existir. Isto varre do mapa milhões de pequenas iniciativas de acumulação famíliar urbana, tipicamente centradas no pequeno negócio, na chama micro-empresa. Hoje o lema é “pequenas empresas, grandes negócios”...para os intermediários financeiros.

O que acontece com o cidadão comum, que não é nem governo, nem empresário, nem organizador do desenvolvimento local? O cliente abre a conta onde a empresa lhe paga. Este ponto é muito importante, pois significa que para o comum dos mortais, não há realmente concorrência de mercado, e os bancos podem elevar tarifas ou cobrar juros que quiserem, dando apenas uma olhadinha de vez em quando no comportamento dos outros bancos, para não se distanciarem demasiado. O resultado prático é um juro médio para pessoa física é superior a 100%. O efeito sobre o orçamento famíliar é desastroso: os custos financeiros consomem algo como 30% da renda famíliar brasileira. Entra aqui também, naturalmente, o fato que empresas comerciais descobriram que se ganha muito mais dinheiro lidando com dinheiro do que com produtos. O pobre, por ganhar pouco, pode pagar pouco, e se vê obrigado a parcelar a sua magra capacidade de compra, a juros numa altitude onde já começa a faltar oxigênio.[6]

O resultado, é que a capacidade de consumo das famílias, essencial para dinamizar as atividades econômicas do país, é esterilizada, pois grande parte da nossa capacidade de compra é transformada em remuneração da intermediação financeira. Assim, a paralisia atinge o governo, as atividades produtivas, a dinâmica do desenvolvimento local, e o elemento dinamizador tão importante que é o mercado interno.

O processo hoje é global. Como sabemos, boa parte das dívida é denominada em dólares. Isto significa que, se o dólar subir, os especuladores donos destas dívidas poderão receber mais. Os países pobres, do chamado terceiro mundo, não têm como imprimir divisas. Naturalmente, quanto mais o país precisa de divisas para equilibrar as suas contas, maior será a reticência da chamada comunidade financeira internacional em emprestar, a não ser, naturalmente, que o país assegure juros altos, com todas as consequências que vimos acima.

O país pobre tem reservas limitadas. O Brasil tem reservas da ordem de 30 bilhões de dólares, a Argentina algo como 10 bilhões. Para comparar, um especulador médio como Edward Jones maneja, segundo o Business Week, 255 bilhões de dólares, a Merril Lynch algo como um trilhão de dólares. Joseph Stiglitz, premio Nobel de economia de 2001, explica o processo de forma meridiana, usando o exemplo concreto de uma operação na Tailândia. Um especulador pede um empréstimo de um bilhão de dólares aos bancos tailandeses, em moeda local. Como se trata de um grande investidor internacional, os bancos locais ficam encantados. Com este bilhão, o especulador sai comprando dólares no mercado local. Vendo o dólar sumir do mercado, outros banqueiros e especuladores locais também passam a comprar dólares, cuja cotação sobe vertiginosamente. Depois de um tempo, o especulador revende parte dos dólares para pagar o empréstimo local, e sai com um lucro líquido de 400 milhões de dólares para cada bilhão empatado. Não produziu nada, não precisou movimentar um centávo seu, e como o controle do movimento de capitais é pecado mortal na doutrina do que Stiglitz chama apropriadamente de “fundamentalistas do mercado”, o dinheiro sai do país. O especulador não precisou sair de Manhattan.

Como se comporta a teoria oficial do Fundo Monetário Internacional frente a estas dinâmicas? “Os benefícios fundamentais da globalização financeira são bem conhecidos: ao canalizar fundos para os seus usos mais produtivos, ela pode ajudar tanto os paises desenvolvidos como os em via de desenvolvimento a atingir níveis mais elevados de vida.” (Finance & Development, IMF, March 2002, p. 13).

O processo é inverso. Descapitaliza-se o setor produtivo, o Estado, as comunidades e as famílias. Como o processo implica juros altos, as empresas são levadas a se autofinanciar. Assim, a liberalização dos fluxos de capital que deveria teoricamente “canalizar fundos para os seus usos mais produtivos” leva pelo contrário à drenagem dos recursos para fins especulativos, e leva as empresas cada vez mais a buscarem o autofinanciamento, gerando um feudalismo financeiro em que cada um busca a autosuficiência, perdendo-se justamente a capacidade das poupanças de uns irrigarem os investimentos de outros. O efeito é rigorosamente inverso do previsto, ou imaginado, pelo Fundo, mas rigorosamente coerente com os interesses da especulação. Consegue-se assim montar um sistema articulado de esterilização de poupança, de restrição do consumo e de desincentivo ao investimento que paraliza o país.

E a família? Ora, a fuga de divisas para fora do país, em favor de quem não produziu rigorosamente nada, representa um empobrecimento. Este empobrecimento se materializa em maiores exportações, para ganhar divisas e poder “honrar os compromissos”. São mais bens exportados, e menos bens disponíveis no mercado interno. Os bens importados incorporam o preço alto do dólar, geando a inflação. A alta de preços não é acompanhada pelos salários, e assim as famílias vêm o seu pecúlio reduzido. Em outros termos, quando as poupanças passam para o papel, representam o que este papel pode comprar. Um velho casal de argentinos me perguntava espantado, tentando entender: “Mas era a poupança da nossa vida, como pode ter desaparecido?”. Hoje, na realidade, nem sequer é papel, são sinais magnéticos. Mas não é preciso ir para a Argentina, basta consultar como se sentem os americanos que tinham jogado a sua aposentadoria em papéis da Enron, ou ainda os brasileiros que recebem 6% pela poupança, muito abaixo do que perdem com a inflação.

Insistimos aqui nesta dimensão econômico-financeira do processo, pois é importante que as pessoas entendam que a globalização tem tudo a ver com o nosso cotidiano, com a angústia de qualquer família com o seu futuro, com o futuro dos seus filhos. É significativa a obsessão com a qual famílias relativamente pobres se enforcam para assegurar à nova geração um diploma universitário, forma indireta de garantir o futuro, na ausência de outras garantias confiáveis. Perder o controle da sua poupança representa, para a família, perder o controle sobre o seu próprio futuro.

Em termos econômicos, a família constitui um processo, uma sucessão de situações que constituem a nossa reprodução social. Se todos os elos desta reprodução não estão assegurados, se temos por exemplo uma juventude desorientada ou desesperada, e a dramática mortalidade adolescente por assassinatos, isto faz parte de uma processo que não assegura a própria lógica, tornou-se discontínuo, por mais que tenhamos belos hospitais de cinco estrelas para os executivos atualmente empregados. A perda do controle sobre as poupanças vai ter um efeito direto sobre a forma da família organizar a sua participação nas atividades produtivas, no mundo do trabalho, pois reduz dramaticamente o seu espaço de opções. Nesta fase de globalização, o que o liberalismo está gerando, é rigorosamente a perda de liberdade econômica, e qualquer casal que tenta fechar as contas e planejar o seu futuro, e o dos seus pais e filhos, sente-se crescentemente angustiado.

Família e trabalho

Nas sociedades tradicionais, havia uma certa continuidade na organização da produção, de uma geração para outra. Na era rural de agricultura famíliar, a inserção produtiva ocorria naturalmente, pelo fato de haver coincidência do domicílio e do espaço produtivo. O filho ia gradualmente aprendendo com o pai as fainas agrícolas, organizavam-se diversas formas de divisão de trabalho na família. Em outros termos, e mantendo a nossa visão de que a família constitui um processo de reprodução social, o trabalho representava uma continuidade entre gerações. Esta dimensão não desapareceu. É importante lembrar que o mundo rural representa ainda a metade da população mundial, e de que a metade da população mundial ainda cozinha com lenha. Às vezes ficamos tão concentrados na ponta da sociedade, nos executivos apressados e nos toyotismos modernos, que passamos a achar que só existe isto, e esquecemos que o mundo articula de maneira complexa eras e ritmos diferenciados. No Brasil, com 17 milhões de trabalhadores, o mundo rural ainda representa o maior setor empregador do país. A indústria tem uns 9 milhões de trabalhadores, o comércio algo como 7 milhões.[7]

Mas o mundo do nosso convívio é hoje essencialmente urbano. E nas cidades, são relativamente raros os casos de continuidade profissional, salvo no caso de pequenas empresas famíliares. Não há mais coincidência entre o espaço residencial e o espaço de trabalho, e cada vez mais a casa é para onde se volta cansado à noite, e de onde saem sonolentos pais e filhos para a labuta diária de manhãzinha. Há subúrbios que constituem hoje cidades-dormitório, mas de forma geral as nossas casas viraram casas-dormitório.

Com a esterilização da poupança das famílias, estas ficam com muito pouca iniciativa sobre o seu trabalho. A pessoa não “organiza” as suas atividades, “busca” emprego no espaço anônimo da cidade. Com o aprofundamento da divisão do trabalho na sociedade, há empresas especializadas para cada coisa, e o acesso ao que nos é necessário na vida cotidiana passa a depender de renda. Não nos damos conta, às vezes, de que na vida famíliar o bolo se fazia em casa, frequentemente o pão, quando hoje cada vez menos se cozinha em casa. O que perdemos, em grande parte, é o sentimento de que a nossa vida depende de nós, do nosso esforço e gosto de iniciativa. Sentimo-nos empurrados por forças cujos mecanismos nos escapam.

Em Imperatriz do Maranhão, o meu pai idoso – já nos noventa – era cuidado por uma jóvem de 80, que além de cuidar do meu pai aproveitava a horta que os netos montaram para ela, em estrados de palmeiras rachadas ao meio, para cultivar cebolinha, salsa, ervas diversas, que ia todo dia vender numa cestinha, pela vizinhança. Cultivava assim não apenas ervas, mas um círculo de amigos. Gerava a sua própria renda, mas cada um na família ajudava. Imagem do passado? Não necessariamente, pois hoje com as novas tecnologias há amplos espaços de colaboração famíliar ou de vizinhança, resgatando novas formas de articulação do trabalho, novas solidariedades.

Não é a volta a um passado bucólico que estmos aqui sugerindo. É essencial entender que o espaço da família era um espaço onde se fazia coisas juntos, como era o caso das comuniddes. O desaparecimento desta dimensão da organização social gera uma sociedade de indivíduos que rosnam uns para os outros na luta pelo dinheiro, e esquecem que a qualidade de vida é uma construção social. Vencer na vida, da forma como nos apresentam diariamente na televisão, é um processo de guerra contra os outros, e resulta em morarmos num condomínio caro e cercado de guaritas. É o sucesso.

Construir uma sociedade civilizada passa por dinâmicas sociais mais complexas, que até as empresas mais retrógradas estão começando a aprender, na linha da responsabilidade social e ambiental.

De certa forma, este raciocínio nos leva ao fato que o trabalho não é apenas uma tarefa técnica que consiste em produzir o mais rápido possível, o mais possível, buscando o máximo de dinheiro possível. O trabalho deve constituir um elemente essencial da organização do convívio social. A ruptura profunda gerada, entre o universo do trabalho e o universo famíliar, tende naturalmente a desestruturar esta última. E o trabalho, privado da sua dimensão afetiva de relacionamento, na correria do just-in-time, na malvadeza cientificamente assumida do lean-and-mean, na patologia cristã de que só é virtuoso o que nos faz sofrer, o que nos sacrifica, gera gradualmente um deserto onde vemos pouco sentido no que fazemos no emprego, a não ser no dinheiro do fim do mês, na compra de mais uma televisão, na troca do sofá.

A sociabilidade no trabalho é funcional, interessada, presa à hierarquia de quem manda e de quem obedece, eivada de rivalidades, ciumes, cotoveladas discretos, sorrisos amarelos. A sabedoria popular brasileira, neste caso, é rica: “cuidado com o calo que você pisa, pode pertencer a um saco que amanhã você terá de puxar”.

Não se trata aqui de um olhar sombrio. Pelo contrário, as tecnologias, os avanços científicos, nos permitem hoje resgatar uma outra cultura do trabalho. As barreiras que criamos são rigorosamente artificiais. Porque uma criança vê o seu pai e a sua mãe desaparecerem diariamente para um espaço misterioso chamado “trabalho”, sem nunca ter oportunidade de visitar as suas empresas, de ver o que fazem? É natural a portaria com todas as suas seguranças? É natural o constrangimento com que uma mãe recebe no emprego um telefonema do filho, do marido? Afinal o trabalho deve ser para nós, ou nós para o trabalho?

Muitíssima gente está mudando os seus enfoques no mundo. O executivo uniformizado de ataché-case, caneta Mont Blanc, e outros apetrechos correspondentes, – versão sofisticada do homem-sanduiche, ostentando um cartaz de sou melhor que você - está sendo gradualmente substituido por gente que se veste à vontade, e busca viver, inclusive no trabalho. Muitas empresas têm hoje salas de sesta, para que o trabalhador possa tomar uma soneca quando precise. A redução do leque hierárquico está na ordem do dia. A qualidade de vida no emprego é amplamente discutida. O filme Beleza Americana, ainda que um pouco forçado, faz parte desta tomada de consciência da forma absurda como estamos sendo organizados para sermos eficientes para a produção, e inúteis para a vida.

A pressão pela redução da jornada de trabalho, essencial para melhorar a nossa produtividade, e para resgatar o elo temporal entre a vida famíliar, a vida profissional e atividades sociais complementares, está gradualmente voltando a constituir uma reivindicação social de peso, como foi a luta pela jornada de 8 horas há décadas atrás.

Na cidade de Lausanne, na Suiça, a prefeita decidiu mudar o tratamento dado ao idoso que vive só: em vez de colocá-lo numa clínica, com enfermeira, papinha e televisão, fez com a ajuda de estudantes universitários uma pesquisa que lhe permitiu identificar vizinhos de cada idoso, dispostos a ajudá-lo. Com um pequeno salário e um pouco de treinamento, organizou na cidade uma rede de solidariedade que lhe permitiu economizar recursos públicos, e melhorar o capital social, o simples gosto de vida das pessoas. Não há dúvida que uma enfermeira especializada, numa clínica bem equipada, saberia ministrar a papinha de maneira mais eficiente (e com custos muito maiores, o que contribui para aumentar o Pib). Mas é disto que se trata? Na Polônia, vimos prédios onde o andar térreo é reservado para pequenos apartamentos onde os idosos podem ficar perto da família que mora nos andares de cima, e ao mesmo tempo guardar certa privacidade. Organizar o convívio social é assim tão complicado?

De certa maneira, trata-se de desarticular um mecanismo perverso, onde o acesso às coisas elementares da vida exige cada vez mais dinheiro, as famílias devem se organizar para maximizar a renda, os filhos já entram na primeira infância na filosofia da competição, pois estão se preparando para a vida, carregando as suas imensas sacolas de material escolar. Perde-se o convívio famíliar, a sociabilidade comunitária, gera-se um bando de zumbis eficientes que não param mais para perguntar o mais evidente: estamos todos correndo para onde?

Trata-se, evidentemente, de inverter a equação. Não devemos organizar as nossas vidas para o trabalho, mas organizar o trabalho para que as nossas vidas sejam agradáveis. A economia é um meio, não é um fim.

Utopia? Há uma década, ainda se media os países apenas de acordo com o Pib, na linha das estatísticas do Banco Mundial. Os indicadores de desenvolvimento humano (IDH), a partir de 1990, passaram a comparar também a qualidade de vida, ao acrescentar às comparações dados de saúde e de educação. Na metodologia Calvert-Henderson, no ano 2000, está se passando a avaliar a eficiência das nações a partir da qualidade de vida dos seus cidadãos, em torno de 12 grupos de indicadores: educação, emprego, energia, meio-ambiente, saúde, direitos humanos, renda, infraestrutura, segurança nacional, segurança pública, lazer e habitação.[8]

Isto nos leva ao conceito de produtividade social, ou de produtividade sistêmica. Um plano de saúde, ao maximizar o ritmo de rotação de pacientes por médico, está gerando um taylorismo social que sem dúvida se demostra muito eficiente em termos micro-ecnômicos. Esta eficiência é medida em termos de rentabilidade da seguradora ou do banco que controla o conjunto. E o resultado prático, em termos sociais, é uma saúde deficiente, pois o que assegura a produtividade social da saúde é muito mais o esforço preventivo do que o luxo das instalações hospitalares. Em outros termos, quando hoje falamos em responsabilidade social e ambiental das empresas, levamos cada administrador a levantar um pouco os olhos, para além dos muros da empresa, e a pensar simplesmente: isto é útil para a sociedade?

O Instituto Souza Cruz publicou em janeiro 2003 “Marco Social: Educação para Valores”. O Instituto Souza Cruz é mantido pela Souza Cruz, que por sua vez pertence à British American Tobacco, que investe anualmente centenas de milhões dólares em publicidade para convencer jóvens a fumar: a população alvo predileta é a de 14 anos, quando o vínculo com a nicotina se torna praticamente assegurado para o resto da vida. A publicação, bastante luxuosa, começa com uma citação de Anísio Teixeira (!) sobre os valores, e a diretora do Instituto, no capítulo “Educação para Valores”, afirma que Flávio de Andrade, presidente da Souza Cruz, “nutria uma grande preocupação com o acesso de crianças e adolescentes menores de 18 anos a cigarro, álcool e drogas ilícitas”.

Quem não ficaria comovido? No entanto, um economista tradicional nos saberá explicar que a Souza Cruz gera empregos, dinamiza a plantação de fumo, provoca a expansão de clínicas de tratamento de câncer, estimula a venda de produtos para branquear os dentes, patrocina belíssimas corridas de fórmula 1. Houve até um relatório que demostrou que o cigarro, ao acelerar a morte dos idosos, reduzia o déficit da previdência social, e portanto melhorava as contas nacionais. O que não se faz pela economia!

A visão que queremos aqui esboçar, é que a transformação da família pertence a um conjunto de mudanças mais amplas, e que não se trata apenas de lamentar a sua dissolução: trata-se de repensar o processo de rearticulação do nosso tecido social.

No belíssimo filme Janelas da Alma, Wim Wenders, que já nos deu tantas obras primas de cinema, faz uma afirmação profunda: “Humanity is craving for meaning”, a humanidade anseia pelo sentido das coisas. De certa maneira, o sentido das coisas se resgata numa articulação mais ampla dos diversos universos, do indivíduo, da família, da comunidade, do trabalho, das esferas econômicas, politicas e culturais. Os sentimentos de perda de iniciativa e controle sobre as nossas vidas, de individualismo feroz, de vale-tudo por dinheiro, são tanto mais absurdos quanto o enriquecimento da sociedade permitiria justamente dispormos de mais tempo para a família, de mais convívio social, em clima menos violento.

O nosso sistema sabe aumentar a produção, ou pelo menos sabia, antes do domínio dos gigantes financeiros e da globalização selvagem. Mas a organização social capaz de tornar este aumento de produção socialmente útil depende de dinâmicas totalmente diferentes das dinâmicas de mercado. A vida não se resume a uma corrida desesperada para equilibrar a conta no banco com as contas do shopping. A construção da qualidade de vida – inclusive a sobrevivência da família – constituem um processo de articulação social que não resultará automáticamente dos mecanismos de mercado ou do eventual enriquecimento individual.

Referenciais individuais e sociais

Não é tão difícil assim colocar-se no lugar do jóvem. Sai da escola sem nunca ter visitado uma empresa, uma repartição pública, uma ONG. A separação radical entre as fases de estudo e do trabalho, produz uma geração de jóvens desorientados, à procura da sua utilidade na vida. Se cruzarmos esta situação com as dinâmicas do trabalho vistas acima, a ausência de perspectivas torna-se muito forte, a não ser em alguns grupos privilegiados. Na realidade, no processo produtivo onde os conhecimentos passam a desempenhar um papel preponderante, em vez de estudo e trabalho serem etapas distintas da vida, devem crescentemente constituir um processo articulado onde aquisição de conhecimentos e a sua aplicação produtiva devem emriquecer-se permanentemente.

Sentir-se inútil numa fase da vida em que o jóvem chega disposto a fazer e acontecer, gera sem dúvida um sentimento de profunda frustração. Poder fazer uma coisa útil constitui um favor, alguém deu um emprego. Uma pesquisa nos Estados Unidos mostrou que no conjunto, o who you know (quem você conhece) tornou-se um fator mais importante de avanço profissional do que o what you know (o quê você conhece, as suas competências). O mundo para o jóvem passa a ser visto como um universo opaco e fechado, gerando desânimo e passividade.

Esta tendência tem de ser colocada numa perspectiva mais ampla. As nossas crianças e os nossos jóvens são criados num referencial de família muito frágil: com os dois pais no trabalho, o trabalho distante da casa, casais frequentemente separados, o silêncio no binômio sofá-televisão: constrói-se assim muito pouco balizamento entre o bem e o mal, muito pouco sentido de vida.

Um outro universo que contribuía muito para a construção de valores era a rua, a vizinhança. Ali, não era ainda o mundo¸ mas também já não era a família, alí a criança e o jóvem testavam a sua presença social, delimitavam gradualmente os valores da amizade, o peso das rivalidades, construiam os seus espaços de sociabilidade. Hoje, nenhuma mãe em sã consciência diz à criança que vá brincar na rua. Fica sossegada quando as crianças estão sentadas no sofá, comendo salgadinho, e vendo “vale tudo por dinheiro”. Porque na rua é o perigo, são as drogas, as gangues, os acidentes de carro, o medo. Não inserimos mais as crianças no mundo, buscamos apenas protegê-las. E quando chega o momento inevitável de sua inserção, desabam sobre elas desafios difíceis de suportar.

Os pais perdidos entram em intermináveis discussões sobre se devem ser mais permissivos, ou colocar mais limites, sorrir ou gritar, e terminam, quando têm dinheiro, lamentando-se com o analista. O analista pode sem dúvida ajudar quando os problemas são individuais, mas não resolverão grande coisa quando se trata de um processo socialmente desestruturador.

A escola pequena, de bairro, frequentada por pessoas que convivem de uma maneira na escola, e de outra nas ruas da vizinhança, mas pertencendo ao mesmo tecido de relações sociais, era outro espaço de construção de referências. Boa parte disto subsiste no interior. Nas grandes cidades, e frente a uma construção escolar onde se buscam absurdas economias de escala (quanto maior, mais barato), gera-se um universo de gente que só se encontra na escola. Os universos sociais do local de residência e do local de estudo só se cruzam eventualmente. Na própria classe média, é patético ver mães que passam horas no trânsito para levar uma criança a brincar com outra no outro lado da cidade, porque já não aguenta a solidão em casa. E no outro lado da cidade, o coleguinha terá os mesmos video-games, o mesmo “vale tudo por dinheiro” na televisão. Se juntarmos os efeitos de desestruturação do referencial famíliar, da ausência do referencial de vizinhança, e da perda da presença social local da escola, e acrescentarmos o cinismo dos valores martelados horas a fio na televisão, que valores queremos que eles tenham?

Os pais ficam indignados: eles bebem, eles fumam, eles se drogam, eles transformam o sexo numa aeróbica banalizada, eles não vêm sentido nas coisas...O que é que nos fizemos para dar sentida às suas vidas? Todos nós estamos ocupados em ganhar a vida, em subir nos degraus absurdos do sucesso¸ como é que as crianças vão entendem o nosso sacrifício como útil?

A compreensão de que se matar de trabalho para construir uma vida sem sentido, ainda que com a garagem que ostenta um belo carro, e entulhada de esteiras de ginástica e outras relíquias de entusiasmos consumistas passageiros, sem tempo para fazer as diversas coisas que poderiam ser agradáveis, ou belas, – filtra gradualmente para dentro das nossas consciências, ainda que continuemos todos a correr sem rumo. Será que os nossos filhos realmente não vêm o absurdo das nossas próprias vidas? E que rumo isto aponta para elas? A verdade é que a vida reduzida a uma corrida individual pelo sucesso econômico, com a ilusão de que tendo sucesso, e portanto dinheiro, compraremos o resto, é uma absurda ilusão que nos levou à civilização de guetos de riqueza e miséria que hoje vivemos.

É significativo que em muitos lugares jóvens, e até crianças, às vezes com apoio dos professores – outra classe á procura do sentido do que ensina – estão arregaçando as mangas e começando a tomar iniciativas organizadas. Vimos na Itália um movimento de crianças pela recuperação das praças. Um filme-reportagem feito pelas próprias crianças mostra a passeata, a negociação com a prefeitura, e o resgate progressivo de praças transformadas em estacionamento, para que voltem a ter água, árvores, espaço para brinquedos e jogos, uma dimensão de estética, de lazer, de convívio. Em muitas cidades já há câmaras-mirins, e não se podem aprovar projetos de espaços públicos sem o aporte do interesse organizado das crianças. Em muitos lugares, foram organizados trajetos seguros, acompanhando as principais rotas das crianças entre as escolas e lugares de lazer, parar melhorar a sua mobilidade e sentimento de liberdade: a tecnologia é simples, são aqueles passinhos pintados na calçada, semáforos, algum reforço de policiamento. O que estas experiências têm em comum, é o sentimento, por parte das crianças, de estarem recuperando o seu direito à cidade, à cidadania.

Em Valparaíso, vimos uma experiência de crianças de rua que, com o apoio de uma ONG, passaram a resgatar os espaços vazios de um bairro, a organizar as suas próprias bandas de música, eventos culturais, a ponto que hoje as seis escolas formais do bairro se associaram ao projeto, e desenvolvem atividades de resgate dos espaços públicos, fazem aulas sobre meio-ambiente melhorando o próprio meio ambiente, estudam ciências sociais melhorando o ambiente social. Aqui também, a cidade é dêles, e fazer uma coisa útil e prazeirosa não é o resultado de um emprego que lhes “dão”, mas de uma iniciativa que lhes pertence.[9]

O que isto aponta, na realidade, é que estamos evoluindo de uma visão em que a organização social se resume a um Estado que faz coisas para nós, e de empresas que produzem coisas para nós, para uma visão em que a sociedade organizada volta a ser dona dos processos sociais, e articula as atividades do Estado e das empresas em função da qualidade de vida que procuramos. A expansão das organizações da sociedade civil, a força do terceiro setor, o resgate das funções sociais do Estado, o surgimento da responsabilidade social e ambiental das empresas, a crítica às grandes corporações da especulação financeira, do monopólio de produtos farmacêuticos, de comercialização de armas, o próprio surgimento muito mais amplo da noção de um outro mundo é possível, pertencem todos a um deslocamento profundo de valores que estamos começando a sentir na sociedade em geral.

Como indivíduos, podemos melhorar a nossa casa, batalhar o estudo para os nossos filhos, comprar um carro melhor. Mas as mudanças sociais dependem de organização social. O sentimento de desorientação é sentido como sofrimento individual, mas as raízes são mais amplas.

Sofá, TV e salgadinho

Curiosamente, quando fazemos o que todos fazem, e não nos sentimos felizes, conseguimos nos convencer que os culpados somos nós. Parece que não somos normais. Mas é importante entender que o sentimento de frustração é geral. Manifesta-se neste sentimento difuso de perda de controle sobre a nossa realidade, sobre o que queremos fazer, sobre o mundo que nos cerca. O trabalho não é sofrimento: batalhar o futuro, fazer coisas que dão certo, ainda que com mil dificuldades, brincar com os amigos, tudo isto é essencial para o nosso senso de equilíbrio.

O que isto sugere de maneira ampla, é que as dinâmicas econômicas atuais geram simultâneamente mais produtos para elites, e menos sentimento de realização individual. O que nos venderam como visão de mundo, é que a felicidade consiste em ter em torno de nós apenas o esposo ou esposa, e os filhinhos, todos em idade simpática, um apartamento de dois quartos, sala, sofá e televisão. As opções de vida são relativas à cor do sofá, ao modelo da geladeira.

É importante ver a dupla face deste problema. Primeiro, todos devem ter o direito a ter os dois quartos, a saúde, a comida na mesa. Inclusive, assegurar o necessário a todos é uma condição preliminar para que possamos viver a vida em paz. Já dizia Marat na revolução francesa: “nada será legitimamente teu, enquanto a outrem faltar o necessário”. Este objetivo consiste sem dúvida num ideal social maior pelo qual temos de batalhar.

Mas este “necessário” não é suficiente. Quando temos os dois quartos e o sofá, a primeira coisa que queremos fazer é sair, é fazer alguma coisa. E este fazer alguma coisa envolve outras pessoas, convívio, festas, brincadeiras, esporte, coisas que nos façam sentir vivos. A sociedade atomizada em micro-unidades, que descartou os idosos para o asilo, os deficientes mentais para o manicômio, os revoltados para a cadeia, os pobres para a periferia, é uma sociedade desintegrada que parou de assumir a construção dos seus próprios espaços sociais, apenas administra privilégios.

Entender o desafio da pobreza, - coisa que devemos fazer sistematicamente – pode ser mais fácil do que entender a desarticulação social e o malestar que se generaliza. Este sistema leva, de um lado, a uma privação de grande parte da população mundial dos bens essenciais para uma sobrevivência com um mínimo de dignidade, e por outro lado, gera um perfil de produção e formas de organização socio-econômica que não trazem respostas aos que sairam desta privação. Quando vemos as cidades-dormitórios, os bairros sem uma praça ou áreas de sociabilidade, lazer e convívio, os condomínios fechados com as suas cercas eletrificados, arames farpados e guardas privados, temos de ir além do problema do modelo ser elitista e privar os pobres do essencial: a própria lógica é absurda.

Ghoje as grandes empreiteiras de São Paulo, por exemplo, formam um pacto corrupto com políticos, e levam à construção de uma cidade inteiramente organizada em função do automóvel, chegando, entre túneis e elevados, a formar vários andares de vias, enquanto batalham contra qualquer uso público do espaço urbano, considerado “desperdício”. Um rio limpo não gera contratos, enquanto um rio poluido gera imensos contratos de despoluição, de desassoreamento, de canalização. A lógica das habitações é criar o máximo de construções para pequenas famílias, desarticulando o convívio entre gerações. De certa maneira, a capacidade técnica e gerencial das empresas evoluiu, mas a redução dos objetivos ao lucro imediato torna estes avanços socialmente pouco úteis. Isto porque a empresa não pensa no convívio social e nas infraestruturas correspondentes, mas na capacidade de compra individual do cliente.

É interessante a notícia de que uma atualização do famoso Kinsey Report de cinquenta anos atrás, quando foi feito o primeiro grande estudo sobre o comportamento sexual da população nos EUA, mostra que hoje se faz sexo incomparavelmente menos do que há meio século. Isto com a pílula, a permissividade, cinemas pornôs, camisinha, out-doors de poses as mais extravagantes em qualquer esquina, motéis por toda parte. Parecemos inundados por sexo. No entanto, parece que o comportamento amoroso se retrai. É viável uma mulher sentir um grande ardor sexual por seu simpático barrigudo de chinelo e camiseta, sentados anos seguidos no mesmo sofá, vendo as mesmas bobagens da tv? Trancar um casal num casulo é uma idéia romântica para vender como publicidade, e permite vender muitos apartamentos, mas é mortal para o convívio matrimonial.

Estamos aqui no limite do quanto um economista pode responsavelmente penetrar em áreas alheias, ainda que faça parte da tradição do economista poder dizer qualquer coisa sobre qualquer assunto. O que aqui tentamos delinear, é o fato das dinâmicas econômicas poderem ter um imenso impacto sobre a vida pessoal, a felicidade do casal, o nosso interesse amoroso.

Não é a família que está doente: é o processo de reprodução social e econômico que se tornou absurdo, levando a família de rodo.

O programa americano de TV “Sixty Minutes” levou recentemente ao ar uma reportagem sobre fast-food, a indústria do hamburguer. Estas empresas pesquisaram e concluiram que a excitação das papilas gustativas na criança está centrada no açucar, na gordura e no sal. Assim, temos o refrigerante que acompanha o hamburguer e as batatas fritas. Até aí, tudo bem. Mas as grandes redes como Burger King, McDonald e outros estão fazendo gigantescas campanhas de televisão para fazer as crianças preferir este tipo de comida, e constituem hoje as maiores redes de distribuição de brinquedos e outros brindes para estimular este consuno. Hoje, a grande ofensiva é para se instalar nas escolas, banindo as nutricionistas. Tentar oferecer frutas, legumes e outras comidas tradicionais ao lado deste tipo de estabelecimento, é covardia.

O resultado prático é que hoje, entre hamburgers e salgadinhos, a obesidade atinge 30% dos jóvens norte-americanos. Não é difícil imaginar o que é a vida de uma menina que, com 13 anos é obesa. Ou o que esta vida será. O programa entrevistou o dono de uma grande empresa de publicidade de fast-food, que visa público infantil, e inclusive utiliza crianças na geração da publicidade: perguntado se não achava covardia empurrar este tipo de comida para crianças que precisam de alimentação variada para crescer normalmente, o dono da empresa, um psicólogo, corrigiu: “nos não empurramos produtos, nos informamos as crianças para que possam fazer uma escolha responsável”.

No conjunto, isto significa que somos empurrados sim a nos comportar de acordo com as necessidades das empresas, com os interesses econômicos, em vez das atividades econômicas responderem ás nossas necessidades.

Não é à toa que os gastos mundiais com publicidade atingem somas astronômicas, hoje da ordem de 500 bilhões de dólares. As empresas gastam este dinheiro, porque a publicidade funciona. Não porque somos bobos, mas porque somos influênciaveis, provavelmente uma das características mais ricas do ser humano, porque vinculada à sensibilidade.[10]

É patético as pessoas caminharem solitárias sobre uma esteira, que tiveram que comprar, e que depois de uma semana fica parada num canto, porque já não há mais espaço para jogar bola na vizinhança. Qual o sentido de pedalar numa bicicleta montada na garagem quando podemos utilizar bicicletas de verdade, para passear, através de ciclovias e controle de trânsito. Fabricamos tanta coisa inútil, geramos tanto desperdício, com um ritmo de trabalho que nos esfola e nos priva da simples alegria de viver.

Há lugar para vida inteligente

Havia um tempo em que os brados pela mudança vinham das esquerdas. Hoje, um prêmio nobel de economia como Stiglitz, que foi economista chefe do Banco Mundial, diz que o sistema como está não pode continuar. Hazel Henderson, uma das economistas mais importantes hoje no planeta, diz que a competição não serve mais como regulador geral da economia, e desenvolve a visão do win-win, literalmente ganha-ganha, mostrando que pode-se desenvolver um sistema onde todos ganham. David Korten, que denuncia o absurdo gerado pelos interesses das empresas transnacionais, não vem de movimentos de contestação, vem dos programas americanos de ajuda ao desenvolvimento, e elaborou uma das críticas mais bem estruturadas da forma de organização econômica que hoje prevalece. J. K. Galbraith aponta para uma “sociedade justa”. Peter Drucker, o antigo guru da administração empresarial, hoje dirige uma organização não-governamental e busca os rumos da “sociedade pós-capitalista”. E faz uma constatação óbvia mas poderosa: “não haverá empresas saudáveis numa sociedade doente”.[11]

A lista é muito grande. As pessoas que conhecem as dinâmicas do sistema, porque ajudaram a montá-lo, hoje tendem a tomar um pouco de recúo, buscam o sentido das coisas. O o sentido é relativamente claro: a economia deve servir-nos, para que tenhamos uma vida com qualidade, e não constituir um mecanismo complexo acessível apenas aos espertalhões, que termina por nos jogar em conflitos entre ricos e pobres, criando angústia e insegurança.

Esta mudança passa por uma alteração de formas de organização social. Em particular, temos de organizar nas nossas cidades sistemas descentralizados e participativos de decisão sobre como organizamos os nossos espaços urbanos, pois sem isto continuaremos vítimas das incorporadoras, imobiliárias, empreteiras e outros especuladores urbanos. Não se trata aqui apenas do fato que é um processo corrupto: é um processo corrupto que organiza a sociedade de forma pouco inteligente.

Não basta reorganizar o nosso espaço urbano, para que seja user-friendly como dizem hoje os informáticos. Temos de reorganizar o tempo, principal recurso não renovável de que dispomos para viver de maneira agradável e inteligente. Reduzir a jornada para 6 horas já seria um bom passo, abrindo possibilidades para o convívio, o lazer, a cultura, a família, e com isto dinamizando um consumo mais rico e mais inteligente.

Temos também de aprender a nos organizar. A máquina do Estado e o mundo empresarial são insuficientes, simplesmente porque ambos devem servir à sociedade, e uma sociedade não organizada não tem como impor as suas prioridades. As ONGs, as organizações de base comunitária, as associações dos mais diversos tipos precisam desempenhar um papel chave, e tornar-se parte do cotidiano de cada um de nós.

Temos de democratizar a informação. A descentralização das formas de comunicação, com rádios comunitárias, emissoras locais de TV, constitui um elemento essencial de criação de um vínculo local, de promoção cultura, de integração dos diversos grupos e atores, de divulgação de iniciativas. A principal novela é a nossa própria vida, e vale a pena.

Temos de criar mecanismos que nos permitam resgatar o controle das nossas poupanças. Há inúmeros exemplos de bom funcionamento de formas inovadoras, que vão desde as formas socialmente responsável de aplicações financeiras desenvolvidas nos Estados Unidos, até as cagnottes na França, o crédito solidário no Brasil. Os bancos trabalham com o nosso dinheiro, e devemos aprender a fazer valer o nosso direito em assegurar que as nossas poupanças sejam utilizadas em iniciativas socialmente úteis, e não em especulação.

E temos, óbviamente, de resgatar o imenso fosso social que o processo capitalista está gerando, entre ricos e pobres. Não haverá paz social, não haverá tranquilidade nas ruas, não haverá convívio enriquecedor nas comunidades enquanto dezenas de milhões de pessoas continuarem numa miséria dramática e revoltante.

E a família? A família tem justamente de ajudar na reconstrução deste entorno econômico, social, urbanístico, trabalhista, cultural que a viabilize. Não bastam discursos ideológicos de que a família é o esteio da sociedade. É preciso viabilizá-la, e com isto viabilizar a própria sociedade desnorteada que criamos.

Ladislau Dowbor, é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo e da UMESP, e consultor de diversas agências das Nações Unidas. É autor de “A Reprodução Social”, “O Mosaico Partido”, ambos pela editora Vozes, além de “O que Acontece com o Trabalho?” (Ed. Senac) e co-organizador da coletânea “Economia Social no Brasil“ (ed. Senac) Seus numerosos trabalhos sobre planejamento econômico e social estão disponíveis no site http://dowbor.org


[1] Rodger Doyle – Going Solo: unwed motherhood in industrial nations rises – Scientific American – January 2002, p. 22 – ver também www.sciam.com/2002/0102issue/0102numbersbox1.html ; o dado para o Japão corresponde a 1990, os outros correspondem a meados ou fins dos anos 1990

[2] Robert Putnam – Bowling Alone: the collapse and revival of american comunnity – Simon & Schuster, New York, 2000 – O livro de Putnam é uma excelente introdução às transformações sociais geradas pelas novas tecnologias e pelas formas de organização urbana. Veja resenha em http://dowbor.org

[3] Lester Salamon utiliza o conceito interessante de serviços humanos, onde se expande rapidamente o chamado Terceiro Setor. Ver entrevista na Roda Viva da TV Cultura, 3 de março 2003.

[4] A inflação não modifica muito este quadro. No caso de uma inflação de 10%, significaria que a remuneração real pela nossa poupança é zero, e que o banco continua a ganhar 16%. Na média, o “spread” que é a diferença entre o que o banco paga para captar dinheiro, e a sua remuneração, é de 25% segundo Guilherme Barros, editor de Folha Dinheiro, Folha de São Paulo, 16 de fevereiro de 2003, p. B1; na realidade mesmo as aplicações mais rentáveis como DI remuneram a nossa poupança menos que a inflação: em valores nominais a nossa aplicação cresce, enquanto o poder de compra diminui. O que perdemos em poder de compra é transferido para os intermediários. Ver Folha de São Paulo, 8 de março 2003.

[5] Ver artigo de Ney Hayashi da Criz, Folha de São Paulo, 8 de março 2003, p. B4

[6] - ANEFAC – Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade – (www.vidaeconomica.com.br/famílias.htm ) Pesquisa realizada entre junho e agosto 2002. O estudo apresenta o gasto despesa famíliar médio com despesas financeiras como sendo de 29,83%. Estas despesas variam de 35,43% para famílias entre 1 e 5 salários mínimos, e 19,08% para famílias com renda acima de 50 salários mínimos. Dados da Anefac foram publicados pels revista Época.

[7] Ver cifras detalhadas no nosso O que Acontece com o Trabalho, Senac, São Paulo, 2002

[8] Os dados do IDH podem ser consultados em www.undp.org/hdro e os indicadores Calvert-Henderson estão sistematizados em Calvert-Henderson Quality of Life Indicators: a new tool for assessing national trends - Bethesda, USA, 2000, www.calvertgroup.com – Um raciocínio ajuda a entender a importância da mudança das metodologias de avaliação dos nossos avanços: com os critérios estreitamente econômicos do Banco Mundial, somos a 9ª potência mundial; ao olharmos as nossas condições reais de vida, na perspectiva dos Indicadores de Desenvolvimento Humano, o nosso lugar baixa para um modesto 69º.

[9] Os exemplos são inúmeros. Há algum tempo, ajudamos a elaborar um livro chamado Cities for Children, que apresenta idéias sobre como poderiam ser organizadas as cidades se levássemos em conta as crianças. Significativmente, o título original era Managing Cities as if Children Mattered, gerindo as cidades como se as crianças tivessem importância. Sheridan Bartlett et al., Cities for Children, Earthscan, London 1999 www.earthscan.co.uk

[10] Sobre este tema, ver L. Dowbor, O. Ianni e Hélio Silva – Os desafios da comunicação – Vozes, Petrópolis 1999, em particular o nosso Economia da Comunicação

[11] Joseph Stiglitz – A Globalização e os seus descontentes; Hazel Henderson – Construindo um Mundo onde Todos Ganham, editora Cultrix; Davida Korten –O Mundo Pós-Corporativo - Editora Vozes, Petrópolis, 2000; J.K. Galbraith – A Sociedade Justa – Editora Campus, Rio de janeiro 1996; para escritos recentes de Peter Drucker, ver www.pfdf.org

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